sexta-feira, 11 de abril de 2008

Exposição de Wilma Lacerda

Texto: Everardo Magalhães Castro, feito em 19/02/1972, na apresentação das suas pinturas , em Cabo Frio.



“Pintar é como tomar uma droga sem a droga. O mundo se multiplica, as cores se desdobram, as formas, pelo contrário, reduzem-se a certas linhas essenciais, com as quais foi feito o universo”. Pintar é comunicar-se. Carlos Lacerda – O Cão Negro.

É isto que Wilma Lacerda consegue: comunicar-se, e rápido.

Morando e vivendo em Búzios – Cabo Frio, no recanto de paz que é o seu atelier, Wilma, moça meiga e traquila, nos seus 25 anos, concentrou-se. Aperfeiçoou-se, viu, vê, sabe das coisas. Dona de inefável vida interior.

Logo descentrou-se para distribuir pelo amor, com amor, toda sua pureza e vivência, aos privilegiados que a conhecem e respeitam seu silêncio e estimam o seu pensar.

Creio que Wilma já alcançou a recentração, no amor a tudo e a todos. No observar cada gesto irmão, no compreender angústia próxima, a solidão de quem sorri forçado, ou no entender a palavra desesperada da pessoa que dizendo “estou na minha”, em realidade, sofre na busca, na procura de quem lhe dê a mão.

Atingindo estes 3 estágios, Wilma situa-se naquela planície humana que Teilhard de Chardin fala no seu livro, Todo Poesia, Sur le Bonheur.

Ela não é espectadora. Participa de toda vibração cósmica, pois, como lembra Bertrand Roussel, é em uma profunda e instintiva união com a corrente total da vida, que está a maior de todas as alegrias.

Aluna de Ivan Cerpa e Lula Cardoso Aires, em pouco tempo forjou sua individualidade, traçou seus próprios caminhos.

Sua última série de quadros é uma homenagem a Tarcila do Amaral, e ficou batizada como Mussangulá. Mussangulá é termo nordestino que significa um estado de espírito, uma atitude de caboclo que, que, encostado num canto qualquer, torna-se contemplativo, pensando em cousa sem nexo.

Nessa série, de um surrealismo surpreendente e forte impacto, Wilma focaliza o tema sempre atual da mulher e seu destino.

Para onde ir? Que estrada seguir? Viver o dia-hoje ou projetar com esperança? Romper as barreiras? Cortar as raízes?

Em quase todos os seus quadros, nota-se a presença do destino, representado pelas 3 mulheres que o regem (segundo a mitologia grega) Clato, Laquesis e Átropo.

Vivendo em Búzios, lugar de mil encantos e contradições, fonte de fuga, prazer, de encontro e desencontro, sitio, também, do tumulto e da perdição, Wilma, em contato, sobretudo, com as moças que lá vão, soube detectar toda uma angústia e solidão, que transparecem em algumas jovens, ainda que bonitas e, aparentemente, alegres.

Percebeu que a agitação toda é apenas uma cortina para esconder, ou disfarçar, um estado de espírito atormentado e difuso.

Entendeu, com a sua condoriana sensibilidade, que o “estar na minha” é mais um dizer do que ser, é mais um grito do que um canto, é mais um apelo do que satisfação.

Como encontrar a felicidade sem amor? E como amar sem dar de si?

Ser no outro ser é ser mais. Fechando-se, em si mesmo, ninguém poderá ser feliz. Wilma sabe de tudo isto e diz, fala na sua pintura. Seus quadros têm um som. Um som que envolve e perturba. Não são quadros, apenas, para ver e gostar. São quadros para ver e pensar. É som para ouvir e jamais esquecer.

Foi bom que Wilma surgisse na vida: “Car tu se qui est plu, vrais se trouve; et tu ce qui est meilheur finit par arriver”.

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