sexta-feira, 23 de maio de 2008

Everardo de Castro: o nosso Andrew Lloyd Webber

Texto de Marcus Aurelius  para Everardo

escrito  em 01 /08 / 2007

Gosto de estudar ouvindo músicas. Ontem, mais uma vez, coloquei no meu velho e querido aparelho de CD, o lindo Vôo do Peter Pan, do querido amigo e maravilhoso compositor Everardo de Castro. Poesia sincera em acordes justos e melancólicos. Uma verdadeira expressão da arte lírica em forma de melodia. Algo me toca profundamente, em impensado momento. Sou só ouvidos... Paro.

Everardo compõe com a simplicidade de um poeta. Tem algo de Cecília Meireles, tenho a certeza. Acompanhei vários "partos mediúnicos", obras que nasciam na correria de uma inspiração.

"- Gravador, onde está? Será que tem espaço na fita?" Frases como esta, quantas vezes ouvi! E, sentado ao seu lindo piano, de frente para a belíssima paisagem, que vaza pela janela da sala de sua casa no Alto da Boa Vista, Everardo fecunda uma nova melodia.

Ele é o nosso Andrew Lloyd Weber. Quem ouve sua obra não duvida desta afirmação. A única (enorme) diferença entre os dois é que um mora lá e ele aqui.

Infelizmente, a cultura não tem o reconhecimento devido em nosso País. Lamentavelmente, o tempo passa; a memória enfraquece; o som se dissipa.

Os acordes ficam, graças a Deus !

Meu querido amigo Antonio Carlos Miguel

Texto de Everardo , em dezembro de 2006

Tenho algumas anotações escritas que ainda não entraram em redação final.

Dizem respeito a música e ao que gravita em torno dela .

Observações, opiniões , impressões ..... na minha visão de músico e ouvinte.

Começo pela distinção entre os compositores e os compositores melodistas .

Há compositores magníficos que não são eminentemente melodistas.

Tanto na música clássica quanto na música popular.

Na música clássica destaco , como melodistas , em primeiríssimo

plano ,Tchaikovsky.

Depois os românticos russos , franceses , italianos (especialmente nas óperas), alguns alemães e austríacos.

E, ainda no clássico , excelentes compositores com breves e lindos momentos melódicos como , por exemplo , Borodin no seu Principe Igor e Rachmaninov numero II .

Nos compositores melodistas ouvimos, não breves , mas longas e soberbas melodias com toda força e encanto que elas emanam.

A melodia é o que toca e enleva o coração das pessoas , fazendo com que elas guardem na alma e na memória para o resto da vida .

Para mim e alguns amigos , sem melodia , aí sou radical , não há encanto e magia na composição .

Recordo o pensamento, dentre outros , de Alexander Waugh , no seu livro Classical Music - A New Way Of listening , pág. 31, editora De Agostini , Edition Limited :

A melodia é a verdadeira alma da música. Não só confere a uma peça musical grande parte do seu caráter, mas, na sua repetição e transfiguração, a melodia é o aspecto mais reconhecível de toda a forma musical. “

 

Compositores brasileiros

Mas vamos chegar aos compositores brasileiros vivos , para depois falarmos em alguns que estão em paragens cósmicas .

Hermeto e Guinga são dois ótimos músicos que dominam riquezas harmônicas , algumas vezes, bem sofisticadas.

Compõem com desdobramentos harmônicos , quebradas e entortadas do arco da velha.. Entretanto, poucas músicas melódicas.

Alguns excelentes músicos não tem vocação melódica e procuram sustentar que a harmonia é a chave de tudo.

Vale recordar , existem escolas e métodos para ensino de harmonia .

Entretanto , não existe escola ou método para fazer melodia .

O que é a harmonia sem a melodia ?

Um combinado e progressões de sons , que pode até agradar a alguns ...

Mas que , em nenhuma hipótese, tocará o coração humano.

E, se for pedido a alguém que cante , na hora , uma musica à base de variações harmônicas , ficará difícil ou impossível ,

Dos compositores vivos temos excelentes melodistas .

Por ordem alfabética lembro: Chico Buarque, Carlos Lyra , Caetano, Donato , Dorival Caymmi , Djavan, Edu Lobo, Francis Hime, Ivan Lins, João Bosco, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Milton Nascimento, entre outros.

Cada um com seu estilo e levada . Mas todos com bonita inspiração.

Cumpre lembrar que , não sem razão ,os melodistas brasileiros são, de uns tempos para cá , considerados os melhores do mundo..

Nestes citados compositores melodistas há aspectos interessantes.

Uns compõem de forma mais elaborada .

Outros com melodias simples, mas de conteúdo mágico.

Francis e Carlos Lyra são exemplos dos primeiros.

Donato é o exemplo mais significativo dos segundos .

Com linha melódica simples , mas com harmonias ricas e ritmo pulsante , Donato encanta e se coloca como um dos nossos melhores.

De autoria destes compositores acima referidos contam-se , a meu ver ,  no máximo 30 musicas de boa inspiração .

Este número , por si só , é significativo .

Digo isto porque, volta e meia, vejo compositores falarem , ou pela mídia, que têm 200 ou 300 musicas . Já ouvi, um deles , dizer ter 500 .

Elas só não apareceriam por falta de interesse das gravadoras.

Claro que estas vivem péssimo momento inclusive por falta de competência de direção . Mas o simples fato de alguns compositores falarem nestes elevados números é puro exibicionismo e coisa para boi dormir.

Pois não é fácil fazer uma bela melodia .

Quando se tem o dom ( fundamental ) melhor.

Fazer lindas melodias não é como fabricar salsicha . É preciso ter dom, inspiração , alma e coração limpos.

A boa melodia é uma magia . Nasce no coração , vai para a cabeça , surge a canção . Às vezes brota com uma simples nota ou um singelo acorde . Forma-se uma frase e as seguintes são como respostas.

É como uma conversa que tem principio , meio e fim . E, nesta conversa , não podem cair de pára - queda frases fora do contexto .

Mas por que razão alguns destes compositores não apresentaram mais ricas melodias ? A resposta é simples : não é fácil ,como acima dito .

É preciso lembrar que o grande Cole Porter só produziu, na minha opinião , no máximo , 30 lindas melodias.

Mas o egocentrismo dos nossos brasileiros está elevadíssimo, exacerbado.

E, de uns tempos para cá estão virando gênios ( sic ) . O Brasil virou um celeiro de gênios musicais . Agora vai ser necessário inventar uma nova palavra para o que é gênio , mesmo . É preciso encontrar um novo adjetivo para : Einstein , Galileu, Bach , Mozart , Cervantes , Picasso , Miguel Ângelo ...

E o que dizer de Antonio Carlos Jobim , destacadamente , de longe, o maior , dos brasileiros , de todos. Tom não se considerava gênio.

Eu que fui seu amigo e apaixonado pela sua obra , não o tenho como gênio mas como um maravilhoso compositor melodista .

Ele é um pouco responsável por esta coisa . De brincadeira e para brindar egos , dizia que esse ou aquele era um gênio.

Tom , sim , de forma extraordinária compôs entre melodias elaboradas e outras simples, mais de 200 melodias , todas lindas. E, isto, é uma absoluta excepcionalidade.

 

Venda de CD

Surgiu então mais uma novidade . Aqui ou ali se ouve : no Brasil não se consegue vender ! . Estamos vendendo bem no Japão .

Donato , por exemplo, não entra nessa onda.

O Japão tem, sim , um belo arquivo da música de todo mundo .

Alguns CDs brasileiros são lá bem vendidos.

Pelo que sei , nada excepcional .

 

Produção de CD

Uma coisa decepcionante é você comprar um CD na expectativa de ouvir um bom trabalho e ver que não houve os devidos cuidados de sonoridade, execução e mixagem.

Os músicos brasileiros são bons . Mas pecam pelo excesso , por tonalidades muito fortes , alto individualismo , e ausência de equilíbrio . Som pesado .

É uma coisa latina , do sangue latino.

Vem melhorando.. Mas , ainda está longe da qualidade dos americanos e europeus .

Na América do Sul , são melhores os argentinos.

Raros os trabalhos de boa mixagem. E a mixagem é vital.

Ora a voz da interprete está colada com o instrumental , ora está distante.

Quando a gente não conhece a letra e a voz está colada , fica difícil de entender.

Não há bom equilíbrio entre as sonoridades .

Contra-baixo alto demais , às vezes baixo.

Piano baixo ou alto demais e ...vai por aí.

Por que Kind of Blue é um tremendo e permanente sucesso , verdadeira obra educativa de como se deve fazer ?

Alem de magníficos músicos eles tocaram , intencional ou não , para deixar uma aula de interpretação , equilíbrio , som da mais alta qualidade .

Som bonito , suave. “ sem nenhum esforço – não havia tensão - tudo bem relaxado.”

 

A música brasileira , hoje

Um espetáculo de mal gosto.

Nada contra o POP ( com todo elenco de variações ) , nem contra a evolução .

Importada da Inglaterra e dos E.E.U.U. ela chegou ao Brasil com todo poder da mídia e das gravadoras destes países .

E, no meio de coisas boas , uma torrente da mais baixa qualidade musical.

Cumpre lembrar que estes paises não mais tem em seus quadros musicais aqueles compositores que fizeram história .

E os brasileiros , com grande tendência de macaquice , entram na onda sufocando a boa música nacional.

Claro que a palavra boa tem um grau de subjetividade.

Mas, pelo amor de Deus , existem coisas que são um verdadeiro lixo.

Por outro lado percebe-se , felizmente , que os jovens quando ouvem música de qualidade se embalam e se encantam.

Rádios , Tvs , imprensa e gravadoras são hoje instrumentos da incultura e , vou mais longe, a favor do pior estrangeirismo.

E, aí, vem a perplexidade : o Brasil que tem grandes compositores, excelentes músicos e alta criatividade , qualidades reconhecidas no mundo inteiro, é palco mal iluminado do maior besteirol.

Nada contra o bom POP mas tudo , espero ver num dia , frente única, pela música brasileira.

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Então , meu caro Antonio Carlos , lá vão estas mal traçadas linhas , revelando a minha maneira de ver e sentir , apenas isto .

Deu vontade de escrever e passar para você um amigo que respeito e admiro.

E, quem sabe , despertar em você , a idéia de escrever um artigo com este assunto .

Você tem categoria e conhecimento .

Claro que com sua visão e forma de sentir .

Quem sabe também , depois do artigo, uma mesa redonda .

E, tomara , bem polêmica . Pois é preciso polemizar e buscar luzes

que iluminem novos caminhos.

Quem sabe com o título : A música no Brasil de hoje .

Com todo carinho do Everardo.

 

Obs. Texto redigido em 12 de abril de 2006 .

Revisado em 19 / 05 / 2008

 

Comentário de José Domingos Raffaelli

( jornalista , escritor e crítico musical )

em  21 de maio de 2008

 

" Querido amigo Everardo,


Com invulgar alegria encontro seu email com um dos mais brilhantes, abrangentes e analíticos estudos - sim, chamo de estudo, é a conotação melhor adequada para sua visão muito bem fundamentada para ler, pensar e extrair  todo seu conteúdo focalizando apropriadamente as qualidades melódicas das canções.

Esse estudo é um autêntico documento sobre o assunto e deveria fazer parte do currículo no ensino das escolas de música.

Você não é apenas um profundo estudioso do assunto, além de conhecer música como poucos no Brasil conhecem. Você tem a alma, a sensibilidade e a perspicácia do verdadeiro escritor, de um homem de letras que domina  o assunto com absoluto conhecimento musical e a faculdade inata de transmitir em seus artigos todas as idéias com clareza e descortino em linguagem escorreita e sumamente agradável.


Li vários artigos seus através dos tempos e neles sempre admirei sua vocação de músico estampada na vocação de escritor dos mais fecundos e inventivos.

Penso que você deveria reunir todas seus pensamentos musicais em forma de artigos e editá-los num livro. A meu ver, a imprensa musical brasileira é paupérrima, com raras exceções e, neste sentido, seus pensamentos, suas análises e sua sensibilidade oferecem campo vasto para os interessados em música usufruirem de todo seu conhecimento.


Meus efusivos parabéns por esse soberbo modelo estético de análise musical sobre um palpitante e raramente abordado fator determinante da música em todos os estilos. "


Grande abraço do seu amigo e admirador,
Raffaelli  

 

Comentário de Marcus Aurelius (professor e músico)

em 22 de maio de 2008

"Não era para você ficar surpreso com as palavras do Raffaelli, meu amigo. Sempre vi e reconheci sua capacidade de se expressar e de tecer as letras.

Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre soube por seu emaranhado emotivo no cru papel ou na branca e virtual tela do computador.  Escrever é um dom. "

Grande abraço, Marcus

 

Comentário de Ivone Belem (esposa de João Donato)

em 20 de maio de 2008

"Everardo, que beleza o comentário do Raffaelli !  Você merece que seja dito tudo aquilo que minha limitada capacidade de redação não permite. José Domingos Raffaelli disse tudo com muita propriedade. Ele sabe do que está falando. Faço coro ao Raffaelli para que você registre para sempre suas percepções a respeito da música, professor Everardo!

Um grande beijo no seu coração, amigo!"

Ivone

terça-feira, 15 de abril de 2008

Horizon

Texto de Everardo em 20 / 09 / 2003

 

Gosto das colinas e das montanhas.

Mas, sou seduzido pelas planícies sem fim,

pelos verdes campos dos pampas,

pelo sol que se põe no horizonte.

Horizonte, acorde de céu e terra,

horizonte que me toca em esperança e me fala do porvir.

 

Atração pelo infinito

que me acompanha

desde menino.

Quando inicio uma caminhada,

por uma nova estrada,

persigo uma linha imaginária...

sem fim.

 

Linha... Impossível, inatingível,

quem pode saber?

Mas ,se eu não der o primeiro passo,

como saberei?

 

Pensando, assim , inicio cada jornada , confiante,

sem ânsia de chegar ao final da estrada.

Importante é a própria caminhada.

 

Viver é seguir em frente,

vencendo cada obstáculo,

aprendendo com cada insucesso,

saboreando cada vitória.

Descobrindo os encantos de cada curva,

imaginando o que virá,

e o que  verei depois.

 

Viver é correr riscos,

é descobrir segredos e mistérios de cada miragem,

é viajar com o tempo,

mirar o horizonte,

não temer o desconhecido,

enfrentar cada desafio,

lutar por cada sonho.

 

Cadenciar a marcha,

por mais longa e difícil que seja a jornada.

Marchando com fé e obstinação ,

pois  viver é sonhar cada viagem,

sem fim… sem fim… sem fim...

 

Dedicatória

Agora, fiz esta melodia inspirado no horizonte.

Hoje, nos meus 70 anos, depois de tanto tempo vivido, dedico aos

meus filhos Maria Eduarda , Maria Cristina e Otávio , parceiro

neste trabalho.

Dedico também a cada amigo ou pessoa que ao ouvi-la ,

possa , quem sabe , ter a motivação para sonhar e viajar,

sem fim... sem fim....sem fim ....

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O VENTO E A CANÇÃO

Texto : Everardo Magalhães Castro . 7 /04 / 04

O vento, viajando pelo ar

traz a inspiração.

A inspiração atinge a cabeça

e flecha o coração.

O coração alcança as mãos.

Nas mãos, nasce a canção.

Poema de Junho

Texto : Everardo Magalhães Castro , 12 /06 / 04

Sou o meu palhaço,

sou o meu cantor.

Bato palmas para mim, ... E as vaias também.

Corro na corrente do meu rio,

vôo nas minhas asas de condor.

É a vida, a alegria, a dor.

Viajo com as minhas fantasias,

São as mais lindas manias.

Vivo no palácio da minha criança,

onde mora a melhor esperança:

a de vê-la se encontrar

com personagens e cenas queridas

que embalam sua inocência

e tempos do amanhã.

E agora me despeço.

Vou viajar.

Vou buscar o arco-íris que perdi.

Vou sonhar pra te encontrar.

O vôo da Aguia

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Texto: Everardo Magalhães Castro, Rio 09 / 06 / 04


Gosto de ver os programas da Discovery na TV .

Vi um sobre a Águia. Ela no alto de penhasco junto com seus filhotes que , bicos abertos , manifestavam fome.

Breves considerações sobre a Águia :

Ave solitária .

Isolada no alto dos penhascos, tem vocação para as alturas.

O caminho da águia é o céu. É a rainha dos espaços.

Não voa em bandos.

Refugia-se no cume de uma montanha para , sozinha , enfrentar sua própria realidade.

Com suas possantes asas, sempre que divisa no horizonte nuvens

escuras, relâmpagos riscando o céu, agiganta os seus esforços e voa com intrepidez para as maiores alturas , pairando acima da tempestade, onde sobrevoa com perfeita bonança.

A águia produz em si mesma a renovação e, para isso, precisa de muita coragem. A primeira coisa que faz é interromper suas atividades.

Neste período isola-se , monasticamente, no alto dos penhascos.

Começa a arrancar suas penas velhas. Todas.

Seu corpo fica desfigurado, num estado deplorável. Depois de alguns dias começam a nascer penas novas, lindas e fortes.

Ganha nova aparência : torna-se bela, encantadora, deslumbrante.

Próximo passo é esfregar seu bico na rocha que , cheio de crosta, vai ficando fraco. Ela o esfrega sofregamente , até sangrar. Após este processo cresce um bico novo e duro como aço.

A última etapa é bater suas garras na rocha. E, o faz com força, várias vezes, até que a camada , envelhecida e calosa , seja arrancada.

É um processo de autoflagelação. Depois, as garras começam a brotar com toda pujança e vigor, fortes como o ferro, ficando completamente renovadas.

Após todo este processo de renovação revitalizadora ela está pronta para a luta pela vida. Para combater , vigiar e alimentar a sua prole. Renasce nela um certo ar de nobre arrogancia.

Voltando ao início deste texto, recordo que a águia estava junto com seus filhotes de bicos abertos , com fome.

Atenta e sensível a estes anseios , aponta seus grandes olhos para a planície em busca de uma presa que pode ser um coelho, uma preá, ave ou réptil qualquer. Ela tem missão a cumprir, e nisto é absolutamente determinada. A coisa é séria . Entra em campo.

Vai colocar em pratica duas armas vitais e mortais: seus percucientes olhos e suas poderosas e afiadas garras.

Os olhos de águias possuem um poder de resolução 2 a 3 vezes

maior do que o olho humano.

“ Esta diferença se deve, em primeiro lugar , à dimensão dos olhos, particularmente da câmara posterior ( espaço compreendido entre o cristalino e a retina ) resultando em uma ampliação da imagem focalizada na retina. Esta ave de rapina recebe bastante luz nas condições normais de caça. Caçando no vôo precisa de um bom julgamento de distância. Para isto possue uma segunda fóvea que pode ser usada em conjunção com o outro olho para fornecer uma excelente visão de profundidade.” Ver livro Vision in Vertebrates, de M. A . Ali e M.A. Kline, 1985 Plenum Press , New York

Subito, ela vê na planície um coelho dando seus acrobáticos saltos. Concentra-se. Faz cálculos, tão bons – quem sabe melhor - que qualquer computador. Fechando suas asas lança-se ao ar, em linha reta e alta velocidade , qual mortífera flecha. Alcança, com precisão , sua presa.

Depois alça vôo e , com firmeza nas garras , leva alimento para os seus filhotes.

O exemplo da águia nos faz lembrar da condição humana ,quando:

o medo de mudar pode prejudicar nosso futuro, não pela ausência de  possibilidades mas pela falta de coragem para romper com o passado.

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Inspirado no que vi , ouvi e li , resolvi fazer uma música com o

título O Vôo da Águia.

Tentei , espero que tenha conseguido, reproduzir musicalmente tudo que minha visão e percepção puderam alcançar.

Como compus a música :

No inicio procurei passar a idéia da águia no ninho com seus filhotes. Ela está atenta . Precisa caçar , os filhotes reclamam.

Vê a presa ------------------------------- ----( CD 1 m e 10 s )

Concentra e se lança em voo vertiginoso

( som dodecafonico e fuga )----------- ----( CD 1 m e 24 s )

Pega a presa -------------------- ----- -------( CD 1 m e 50 s )

Prepara o vôo de retorno ao ninho. Assunto complicado pois a presa é pesada e a águia não gosta de errar.

------------------------------------------------ ( CD 1 m e 58 s )

A melodia do voo , retornando ----------( CD 2 m e 36 s )

A melodia da festa da alimentação --- --( CD 3 m e 47 s )

A melodia da paz , missão cumprida.--- ( CD 4 m e 48 s )

Tempo total : 6 m e 55 s

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Lembrei-me do querido amigo Tom , que cantou a nossa mata , rios, fauna e pedras, com suas lindas melodias. Que fez lembrança e deu dignidade ao Urubu. Tom - ontem , hoje e amanhã, no Brasil e no mundo - o maior melodista de todos os tempos . A águia , nele vivia..... e vive.

Nossa bússola e quia, está presente cada vez mais na nossa vida, na alma de todos nós compositores.

E é para você , Tom , que eu dedico esta música.

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Meus agradecimentos ao casal Valdir e Fátima que , cientistas da UNB ( Universidade de Brasília ), me deram dados sobre a acuidade visual e comportamento das águias.

Agradeço também ao companheiro Élcio Leite , permanente pesquisador na Internet , que conseguiu para mim o pio da Águia.

Para o Chiquito Braga também , velho amigo, dedico este trabalho.

Tom , águia voando nas nuvens mais altas ; Chiquito , águia no violão , ..... e que se renova em cada amanhecer .

Mobilizei , espiritual e concretamente , estes queridos amigos.

Depois conversei algum tempo com meu coração,

que passou para minha silenciosa alma.

Da alma veio a inspiração que atingiu as minhas mãos .

Das mãos , no piano , nasceu o som .

Surgiu, então... a canção .

Martha , um mar de poemas

Texto: Everardo Magalhães Castro, Rio 01 / 08 / 90


Sua pena desliza sobre o papel como ondas intensas e fortes.

Não é possível ler seus seus trabalhos sem profunda reflexão

e sensação de ENCONTRO.

Encontro de quem lê e percebe que já viu ou viveu algum

momento por ela escrito.

Porque poeta é aquele que coloca nas páginas tudo aquilo

que sente, vestindo e colorindo as palavras, adornando as frases,

para o GRANDE ENCONTRO que é POETA- LEITOR.

E, nesta magnífica convergência resulta uma verdadeira SINTESE

da vida- de passados , presentes e futuros. É a vivencia da

RECENTRAÇÃO ( plano existencial no qual as pessoas permutam

emoções e amor ) como lembra o filósofo francês

Teilhard de Chardin .

Seu belíssimo e tenso poema “ A ULTIMA PALAVRA “ tem som de

despedida. De quem fez o último poema, por uma última razão.

seus amigos e admiradores não querem o som de despedida.

Esperam que este livro longe de ser rubro crepúsculo , belo , mas

que se finda , prenuncie CANTO-AURORA de uma obra a se

Multiplicar.

Ficamos felizes também ao ver que a nossa inquieta Bagé,

mais uma vez, transborda da Campanha para o cenário-maior

Do Estado e do país.

E que venham outros poemas, tantos quantos sua sensibilidade

lançar , porque essas contribuições de alma e cultura é que

enriquecem a nossa vida.



Obs. Martha , minha amiga , é casada com Paulinho, agrônomo que atendia

Minha fazenda em Bagé

Exposição de Wilma Lacerda

Texto: Everardo Magalhães Castro, feito em 19/02/1972, na apresentação das suas pinturas , em Cabo Frio.



“Pintar é como tomar uma droga sem a droga. O mundo se multiplica, as cores se desdobram, as formas, pelo contrário, reduzem-se a certas linhas essenciais, com as quais foi feito o universo”. Pintar é comunicar-se. Carlos Lacerda – O Cão Negro.

É isto que Wilma Lacerda consegue: comunicar-se, e rápido.

Morando e vivendo em Búzios – Cabo Frio, no recanto de paz que é o seu atelier, Wilma, moça meiga e traquila, nos seus 25 anos, concentrou-se. Aperfeiçoou-se, viu, vê, sabe das coisas. Dona de inefável vida interior.

Logo descentrou-se para distribuir pelo amor, com amor, toda sua pureza e vivência, aos privilegiados que a conhecem e respeitam seu silêncio e estimam o seu pensar.

Creio que Wilma já alcançou a recentração, no amor a tudo e a todos. No observar cada gesto irmão, no compreender angústia próxima, a solidão de quem sorri forçado, ou no entender a palavra desesperada da pessoa que dizendo “estou na minha”, em realidade, sofre na busca, na procura de quem lhe dê a mão.

Atingindo estes 3 estágios, Wilma situa-se naquela planície humana que Teilhard de Chardin fala no seu livro, Todo Poesia, Sur le Bonheur.

Ela não é espectadora. Participa de toda vibração cósmica, pois, como lembra Bertrand Roussel, é em uma profunda e instintiva união com a corrente total da vida, que está a maior de todas as alegrias.

Aluna de Ivan Cerpa e Lula Cardoso Aires, em pouco tempo forjou sua individualidade, traçou seus próprios caminhos.

Sua última série de quadros é uma homenagem a Tarcila do Amaral, e ficou batizada como Mussangulá. Mussangulá é termo nordestino que significa um estado de espírito, uma atitude de caboclo que, que, encostado num canto qualquer, torna-se contemplativo, pensando em cousa sem nexo.

Nessa série, de um surrealismo surpreendente e forte impacto, Wilma focaliza o tema sempre atual da mulher e seu destino.

Para onde ir? Que estrada seguir? Viver o dia-hoje ou projetar com esperança? Romper as barreiras? Cortar as raízes?

Em quase todos os seus quadros, nota-se a presença do destino, representado pelas 3 mulheres que o regem (segundo a mitologia grega) Clato, Laquesis e Átropo.

Vivendo em Búzios, lugar de mil encantos e contradições, fonte de fuga, prazer, de encontro e desencontro, sitio, também, do tumulto e da perdição, Wilma, em contato, sobretudo, com as moças que lá vão, soube detectar toda uma angústia e solidão, que transparecem em algumas jovens, ainda que bonitas e, aparentemente, alegres.

Percebeu que a agitação toda é apenas uma cortina para esconder, ou disfarçar, um estado de espírito atormentado e difuso.

Entendeu, com a sua condoriana sensibilidade, que o “estar na minha” é mais um dizer do que ser, é mais um grito do que um canto, é mais um apelo do que satisfação.

Como encontrar a felicidade sem amor? E como amar sem dar de si?

Ser no outro ser é ser mais. Fechando-se, em si mesmo, ninguém poderá ser feliz. Wilma sabe de tudo isto e diz, fala na sua pintura. Seus quadros têm um som. Um som que envolve e perturba. Não são quadros, apenas, para ver e gostar. São quadros para ver e pensar. É som para ouvir e jamais esquecer.

Foi bom que Wilma surgisse na vida: “Car tu se qui est plu, vrais se trouve; et tu ce qui est meilheur finit par arriver”.

Brancas montanhas

Texto: Everardo Magalhães Castro

Brancas montanhas

Lençol brando ao redor

Braços brancos de Deus,

Adeus.

Espuma do mar acima,

Caminho do céu.

Verdes campos abaixo.

Casinhas, vaquinhas ...

Brancas montanhas

Braços brancos de Deus,

Adeus.

Mozart, Lausanne.

Epesses, Gruyères.

Amour, sourire ... espoir

Première or Dernière.

Adieu.

Obs. Este poema foi feito em Vevey , a beira do lago Lehman , Suiça.

sábado, 29 de março de 2008

Jorge Guinle, meu tipo inesquecível.

 

Texto de Everardo Magalhães Castro
Em 28 de fevereiro de 2006

Everardo Castro e Jorge Guinle

Jorge Guinle - Nascido em: 1916

Falecido em: 5 de março de 2004, aos 88 anos


Há uns anos atrás, a revista Seleções Readers Digest, publicada mensalmente, tinha como matéria constante o título Meu tipo inesquecível.

Ao longo da minha vida, elegi meus tipos inesquecíveis. Um deles foi Jorge Guinle. Eu, como muitos amigos, chamava-o Jorginho. Era como ele gostava.
Conheci Jorginho através do meu amigo Ibrahim Sued que me foi apresentado pelo Didu de Souza Campos, com quem joguei polo no Itanhangá Golf Clube. Ibrahim, sabendo que eu gostava de jazz, me proporcionou o primeiro encontro com Jorginho, no apartamento dele, no Edifício Tucumã- Praia do Flamengo , 284. Logo surgiu uma grande empatia.

O jazz, presença forte na minha vida e na de Jorge, nos uniu para sempre.

Jorginho era extremamente simpático, simples e de suprema elegância. Timbre de voz agradável e leve no falar. Seu gestual era comedido; herança de educação francesa no Collège de France – em Paris, onde estudou e se formou em filosofia, com grandes mestres dentre os quais o professor Leroy, titular da cadeira de Henri Bergson. Tornou-se um materialista dialético.
Sua alma era de esquerda.

De baixa estatura, usava para alcançar maior patamar, sapatos sob medida feitos na Casa Moreira – travessa do Ouvidor, com grande salto de cerca de 10 cm (parte interna e parte disfarçada no interior do sapato). Digo sem nenhuma indelicadeza a sua memória, pois, além de ser coisa notória, Jorginho não fazia segredo e até recomendava para os amigos baixos que o fizessem.

Quando falei sobre isso com meu pai, ele encomendou um. Outro freguês desta casa era Dr. Roberto Marinho, que fazia tais sapatos e botas de montaria.

Quase toda semana ia à sua casa .
Tocava a campainha. A porta abria, surgia o João, seu mordomo.
Seguia para uma larga varanda e, agradavelmente, me submetia ao seu roteiro de jazz. Primeiro ele colocava os discos vinil de jazz do West Coast, da Califórnia, sabedor que este estilo era da minha preferência.
João, o mordomo, ia servindo, generosamente, bom scotch e salgadinhos de fina qualidade. À medida que Jorginho percebia que eu já estava devidamente embalado pelo scotch, iniciava uma regressão, até chegar ao jazz absolutamente de sua preferência: o New Orleans.
Nessa altura, eu já estava até gostando do New Orleans. Colocando seus discos preferidos, ia fazendo comentários e revelando histórias dos seus encontros com Louis Armstrong, Jelly Roll Morton, Sidney Bechet, King Oliver e outros. Conhecia tudo, conhecia todos.

As vezes, encontrava na sua casa o Maestro Cipó, Jorginho do sax- alto, Silvio Túlio Cardoso ( jornalista de O Globo ) Aurino Ferreira, Juarez Araújo, dentre outros. Eu, Paulo Moura e João Donato tínhamos um conjunto de jazz. Apresentei ao Jorginho esses dois amigos, que passaram a participar das audições jazzísticas. Lá estavam sempre seu grande amigo Mariozinho de Oliveira, Estevão Hermann, Arlindo Coutinho e seu primo Francisco Eduardo de Paula Machado.

Eram presenças freqüentes Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Eles e Jorginho nutriam amizade e admiração recíproca.

É do nosso Vinicius a sequinte frase : de Jorge Guinle posso dizer que ninquem no Brasil e,muito pouca gente no mundo , possui a sua cultura e o seu cabedal jazzistico

Era casado com Dolores, americana, sua primeira mulher. Dolores não ajudava, nem atrapalhava. Deixava-o com seus amigos à vontade para ouvir jazz. Fiquei amigo dela e sempre tive olhos de admiração pela sua elegância e beleza. Mas, pessoa de classe mesmo era o Jorginho. Educadíssimo. Atenciosíssimo com as mulheres e com os homens também. Nunca conheci uma pessoa tão educada e agradável como Jorge.

Jorginho e os músicos americanos de Jazz

Ele era íntimo dos principais músicos americanos de Jazz, como Charlie Parker,Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Lester Young, Billie Holliday,Miles Davis...
Estive presente quando recebeu em sua casa Tommy Dorsey, Harry James, Louis Armstrong, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e os membros do Modern Jazz Quartet. ( vide fotos no site http://www.everardocastro.com/ )
Alguns dos seus músicos preferidos de jazz eram Lester Young (sax- tenor), Sidney Bechet (sax- soprano) e Louis Armstrong.
Para ver o prestígio que Jorginho gozava junto aos músicos americanos, recorde-se, como exemplo que , amigo do Miles Davis, falou-lhe que tinha ouvido o jovem John Coltrane tocar e sugeriu ao Miles que o contratasse. Miles concordou ,e assim foi feito.

Além do jazz, tinha um outro hobby . Uma preciosa coleção de locomotivas, expostas em prateleiras, numa sala especial do seu imenso apartamento. Quando ele mostrava peças desta coleção, parecia uma criança feliz com seus trenzinhos. Tinha locomotivas e vagões de alto valor, adquiridas ou presenteadas pelo seu pai, Dr. Carlos Guinle que, com sua esposa D. Gilda, morava no mesmo edifício.

Dr. Carlos foi homem de importantes realizações. Financiou e construiu a estrada Rio-Petrópolis. A ligação dele com minha família, concretizou-se por ter sido o engenheiro Álvaro Ribeiro de Almeida e luz, meu avô materno, quem participou com ele nesta obra.

Jorginho, algumas vezes, vinha à minha casa no Alto da Boa Vista, ouvir jazz. Surgia na rua, o seu carro de luxo e motorista com quepe. Ficávamos horas ouvindo as últimas novidades de Jazz.

Então quem fazia o roteiro era eu. Aí só dava West – Coast. Tudo numa boa pois , apesar de não ser o da sua preferência , gostava também. Tem mais um detalhe : eu não tinha disco da escola New Orleans

Jorginho e o trabalho

Trabalhar, na verdadeira acepção da palavra, nunca foi preocupação na sua vida. O máximo que fazia era ir, duas vezes ao mês, à Cia. Internacional de Seguros, empresa presidida pelo Celso Rocha Miranda, e da qual era acionista.

Mas, naquilo que se dedicava, revelou-se um trabalhador operoso e perseverante. Esta faceta consubstanciou-se em vários momentos quando:

- divulgou o carnaval nos EUA, trazendo importantes artistas.
- foi o brasileiro que, naquela época, atuou mais fortemente no exterior projetando o nome do Brasil;
- foi amigo de 5 presidentes dos EUA, inclusive John Kennedy e Roosevelt;
-sentou-se nas primeiras filas de quase todos os Oscars (ali estava o único brasileiro representando o nosso país).
-ajudou artistas brasileiros nos EUA, apresentando e marcando encontros com os seus poderosos amigos do show business;
- com seu amigo Nelson Rockfeller, empenhou-se, junto ao Presidente Getulio Vargas, amigo do seu pai, para que o Brasil se colocasse ao lado dos americanos na segunda guerra mundial. Jorginho tinha voltado da Europa e ficara alarmado com o avanço do nazismo e omissão de muitos europeus. Bota trabalho nisto, pois o nosso presidente, pressionado por alguns brasileiros, tardava em decidir.

- abriu portas para vários empresários brasileiros no exterior, fazendo muito mais que ministros da época .
- ninguém fez tanto pelo turismo brasileiro, até hoje, quanto Jorge Guinle.
- amigo dos poderosos de Hollywood, empenhou-se para que não se abafasse o ainda incipiente cinema brasileiro.
Trabalho, trabalhou sim. Pois nada disto – e mais ainda do que não foi dito – se faz sem um exaustivo e persistente trabalho.


Jorginho e a filosofia

Em alguns momentos conversava com Jorginho sobre outros assuntos. Até que um dia ele me surpreendeu completamente.

Eu tinha acabado de me formar em Direito. Não sei se por esta razão, ou outra, ele dirigiu a conversa na direção filosófica.

Sabia que tinha cultura, manifestada sem a menor afetação. Mas não imaginava que conhecesse, profundamente, o pensamento de Marx, Hegel, Descartes, Rousseau, Kant, Berkley, Leibnitz, Heidegger e outros mais. Citava esses nomes e aprofundava comentários.

Quando começou a falar de Marx, deu-me a perceber que, além do conhecimento, tinha forte simpatia pelo socialismo.

Ouvindo, poder-se-ia imaginar estar ali um pensador de esquerda e...era.

Se hoje ele tivesse um diálogo filosófico com Fernando Henrique, acredito que levaria vantagem, sem dizer que não teve o apoio do Florestan Fernandes, este sim, a bengala e caneta de FH.

E , tem mais : ele poderia justificar as origens de sua fortuna ao contrario de certo professor que jamais poderá faze-lo. Afinal, como dizia o Gonzaguinha , não somos burros, nem babacas.

Esta primeira conversa sociológica deu-se quando ele me convidou a passar um fim de semana na Granja Comary, em Teresópolis. Fiquei hospedado numa casa ampla, de bela arquitetura, cercada de grande área verde, com lagos e matas. É onde está sediada hoje a concentração da CBF e mais um condomínio .

Na sala principal , existia um piano de cauda inteira, Steinway. Foi neste piano que toquei minhas primeiras músicas para ele.

Posteriomente esta bela propriedade foi vendida ao Renato Aragão.


Jazz no Rio

Passado algum tempo, idealizamos juntos, o 1º Grande Concerto Brasileiro de Jazz, realizado no Golden Room do Copacabana Palace. Convidamos Silvio Túlio Cardoso, Ary Vasconcellos e outros para nos ajudar a organizar o concerto.



Formou-se uma grande Orquestra comandada pelo Maestro Cipó e com a participação de 40 músicos escolhidos entre os melhores. Lá estavam: Zé Bodega, Luiz Vidal, Kachimbinho, Aurino, Biju, Jorginho do sax-alto, Paulo Moura, Sut, Nelsinho do trombone e tantos outros . O concerto, com a presença da sociedade, foi em beneficio de uma instituição de caridade e teve apoio do jornal “O Globo”, através do Rogério Marinho, nosso amigo e amante do Jazz, e de seu irmão Ricardo Marinho, mais ligado à música clássica.

Pouco tempo depois fundamos o Clube de Jazz e Bossa. Convidamos para fundadores Silvio Tulio, Luiz Orlando Carneiro, Ricardo Cravo Albin, Ilmar Carvalho, Ary Vasconcelos e outros.

Nós dois fomos ao Palácio Laranjeiras ( pertenceu ao seu tio Eduardo Guinle) para encontrar com o Presidente Juscelino e dar notícia da fundação do Clube. Era impressionante ver a atenção que o Presidente Juscelino dedicou ao Jorginho, lembrando que estava hospedado no palacete que foi da família Guinle. Na mesma hora ligou para o Bené Nunes comunicando a criação do clube e pedindo que desse, também, todo o apoio. Bené era amigo querido do Presidente . Aliás todos gostavam do Bené, especialmente os músicos.

Aconteceram, então, dois momentos marcantes na sua vida: primeiro a separação de Dolores; depois a morte de seu filho.



Antes, Jorginho tinha perdido o irmão, Carlos Guinle, parceiro de Dorival Caymmi nas músicas Não tem Solução, Rua Deserta e Sábado em Copacabana.

Um dos brasileiros mais conhecidos e respeitados no exterior , era uma espécie de Embaixador do Brasil.

Mas, falando em Jorginho, não posso esquecer do seu pai ,Dr. Carlos, que, gostando muito de música, foi mecenas de vários artistas, especialmente Villa- Lobos.

Pai e filho foram importantes também na vida artística do Maestro Eleazar de Carvalho, Jacques Klein, Pixinguinha, Dick Farney, Luizinho Eça e vários outros.

Na mídia brasileira estes artistas contaram com apoio expressivo do O GLOBO através do três irmãos ( Roberto , Ricardo e Rogério ).
Carmen Miranda , Luiz Bonfá, Laurindo de Almeida, Aluisio de Oliveira tiveram em Jorginho um importante apoio nos EUA.

Lembrando de tais fatos, pergunto: "- Onde estão os mecenas de hoje?"

Brasileiros de imensas fortunas são incapazes de, como os norte - americanos e europeus, serem mecenas e apoiarem a cultura brasileira.
Artistas brasileiros, de grande valor, peregrinam de porta em porta em busca de patrocínio. E, mesmo com Lei Rouanet e incentivos estaduais, acabam por receber um sonoro não e, pior, às vezes nem serem recebidos a fim de exporem seus projetos.

-Por acaso sabem, esses poderosos homens de imensas fortunas, que os melodistas brasileiros são considerados os melhores do mundo?
-Por acaso sabem que a OSESP (Orquestra Sinfônica de São Paulo é uma das melhores do mundo)?
-Será que sabem, ou, se sabem, se esqueceram que, se não fosse o o Dr. Carlos Guinle, talvez Villa Lobos não tivesse o reconhecimento que ,voltando da Europa , passou a ter ?
Sim, porque no Brasil ainda é assim: você precisa vencer lá fora para depois ser respeitado aqui.

Todos o adoravam

Cercado de luxo e notoriedade, Jorginho não transparecia, em nenhum momento, semblante de arrogância ou empáfia. Pessoa absolutamente simples.
Seu avô , Eduardo, quando morreu ,deixou uma fortuna estimada hoje em US $ 2 bilhões, de ativos ( Docas de Santos, Banco ,valiosos imóveis,fazendas, haras , companhias de seguros ......). Era a maior fortuna do Brasil.

Se, os herdeiros ( 7 filhos ) tivessem desenvolvido aqueles ativos , hoje poderia ser um patrimônio da ordem de US $ 6 bilhões.

Mas, da parte de Jorge, que sucedeu ? O dinheiro para ele não era soberano. Não se fazia escravo do dinheiro. Servia para viajar em grande gala , ajudar seus amigos músicos, ajudar as pessoas, viver fazendo o bem.

Nunca ouvi Jorginho fazer critica a ninguém. Se ele não gostasse de alguma coisa ou de alguém, tinha uma forma de manifestar, toda especial, onde não se via ironia ou desdém.

Jorge Guinle e o Copacabana Palace


Mas não devo terminar essa pequena história sem falar de sua ligação com o Copacabana Palace e o carnaval. Foi ele quem trouxe famosos artistas de Hollywood para assistirem ao carnaval do Rio, colaborando, fortemente, para sua divulgação no mundo. No Copacabana Palace eram hospedados os artistas. E, neste hotel, ele tinha o seu quartel general de encontros e articulações.
Jorginho, ao lado de Oscar Ornstein (relações públicas do Copa), promovia grandes eventos no Copacabana Palace.
O Copa, assim chamado, era de propriedade de seu tio, Otávio Guinle. Mas de tal forma ele se fazia presente, muito querido pelos empregados do hotel, que o Copacabana Palace era... Jorge Guinle.

Naquela época as coisas aconteciam no Bife de Ouro ou na pérgula do Copacabana. Em alguns apartamentos do anexo, rolavam encontros amorosos de toda ordem.

Na pérgula e no Bife de Ouro despontavam duas figuras interessantíssimas: Fery Wünsch, maître d’hotel durante mais de 40 anos e Alberto ( um simpático gordinho ) , sommelier do restaurante Bife de Ouro.

Fery resistiu a ideia de contar no livro que escreveu , incríveis e impressionantes encontros de certas pessoas da alta sociedade. Inclusive de dois famosos jornalistas, para os quais levava bebidas e salgadinhos ao apartamento do anexo.



Alberto, por sua vez, testemunhou segredos ouvidos de pessoas importantes durante encontros, no Bife de Ouro, de famosas pessoas.

Ambos guardaram seus silêncios.

Vale lembrar as palavras do Ibrahim Sued: “Maitres e garçons não vêem, não ouvem e muito menos falam. Os que se prestam a esse papel não são dignos de uma profissão tão merecedora do nosso reconhecimento. Alguns, infelizmente, são até alcagüetes e ouvem a nossa conversa para repetir a quem lhes paga para isso”. Neste ponto, Ibrahim deveria estar falando de alguns que – assim se comentava – vendiam informações ao SNI (orgão de informação do governo militar).
Na Pérgula e no Bife de Ouro, especialmente nos fins de semana, reuniam-se jornalistas, famosos políticos, empresários, todo o arco-íris da sociedade brasileira e da Imprensa. Neles foram decididos assuntos de importância, ao sabor de um bom scotch, boa comida e linda visão da piscina.

Foi no Copacabana Palace que, almoçando com Jorginho, coisa freqüente, conheci alguns dos seus pratos preferidos: camarão à Maria Stuart, Steak Diana e Steak Tartar.Não sei se o Bife de Ouro ainda tem no cardápio estes pratos.

A sobremesa era quase sempre crepe suzette. Já ia me esquecendo do strogonoff, mas que strogonoff !

Jorginho, além do Copacabana Palace, seu QG, gostava de freqüentar o Vogue (Av. Princesa Isabel), onde imperava o porte do Barão Max Von Stuckart. Uma de suas preferências, também, era o Sacha`s, boîte localizada no Leme (Av. Atlântica). Seu dono, Sacha Rubin, era absoluto no piano de cauda. Sacha, sempre com cigarro no canto da boca, a cada cliente importante ou amigo que adentrava, tocava a música de sua preferência. No repertório predominava Cole Porter. O baterista do trio era o Paulinho Magalhães. Algumas vezes dei canja na bateria. Jorginho também. Ele tinha uma bateria na sua casa e gostava de tocar sax-tenor. Mas, no sax, em vão era o seu esforço. Na bateria levava jeito.

No fundo do lado esquerdo , de quem entrava no Sacha’s, era território do Aristides, o barman. No balcão do bar, várias personalidades importantes debulharam lágrimas ou confessaram segredos ao Aristides, sabendo que ele jamais trairia confiança.

O maître do Sacha`s era o Luiz. Sempre elegante no seu smoking, de porte altivo e classudo, Luiz era o Senhor maître da noite carioca chique. Pessoas importantes da sociedade tratavam Luiz com respeito e, às vezes, com reverências. Dependia dos seus valores e humores a localização das pessoas em mesas mais nobres ou na geladeira (“sibéria”, como Ibrahim chamava). Luiz, também, era guardião de segredos, histórias, desenlaces. Era discreto profissional da noite elegante.

Mas, uma vez, ele contou a um amigo comum lances que, vez por outra, observava. Por exemplo: movimentos eróticos debaixo da mesa, fora da vista dos presentes, mas que Luiz , com seu olhar de águia, percebia, vendo o semblante feliz do cavalheiro agraciado com as benesses da dama...

Luiz, também, dispunha de 2 apartamentos no edifício do Sacha’s, que eram articulados por ele para determinados encontros.

Pessoa de constante presença era João Goulart, antes de ser Presidente e, depois, como Presidente. Lá ia o Jango, sem seguranças e aparatos mas, quase sempre, com o seu secretario Caillard. Eram outros tempos.

Luiz também sabia driblar certos telefonemas de marido procurando mulher e mulher procurando marido, ou amantes se procurando. Trapalhadas e problemas que administrava com categoria e boa sabedoria, coisa de profissional da noite. Já não se fazem “Luizes” como em outros tempos.

Palavras finais

Jorginho gastou a sua fortuna, moeda por moeda, dia por dia, absolutamente consciente do que fazia. Não imaginava que fosse viver tanto . Fez cálculos que permitiriam terminar sua vida com seus últimos recursos. Errou nos cálculos. Viveu seus últimos anos com pequena aposentadoria do INSS e complementar ajuda do seu amigo Baby Monteiro de Carvalho. Nunca se saberá
a dimensão da ajuda do Estevão Hermann ao Jorge. Estevão generoso e
discreto , jamais revelará.

Jorge estava morando num modesto apartamento na Gávea.Mas, não se via nele nenhum traço de amargura.

Meu último encontro deu-se quando lançou nova edição do seu livro, pioneiro, Jazz Panorama. Guardo foto e dedicatória, linda recordação.Não tive coragem de visitá-lo na Gávea. Sabia que algumas cortinas estavam rasgadas, os sofás não tinham as cores e textura de antigamente...
Andava de táxi e, algumas vezes, de ônibus.

Tive estas notícias. Vacilei. Não fui ao seu encontro. Revelo este fato sem receio de críticas, pois eu mesmo me adianto. Na minha cabeça, achava que Jorginho, muito inteligente e sensível, iria perceber traços do meu semblante, reveladores da melancolia que eu sentiria.

Sem desculpas. Perdão, Jorginho.

Viveu no Brasil e no exterior todos estes fatos narrados e outros. Discreto, morreu às 4,30 hs. do dia 5/2/1916, na suíte 153 do Copacabana Palace , vitima de um aneurisma da aorta abdominal, guardando alguns segredos. A direção do Copa ,através do seu diretor Philip Carruthers e Claudia Fialho proporcionaram todas mordomias, num gesto admirável de fidalquia .

Sua morte foi noticiada nos principais jornais do mundo e publicada na primeira página do New York Times.

Jorge não foi apenas um play boy de primeira grandeza.É preciso que os brasileiros saibam que ele foi uma personalidade quecolocou sua inteligência, ardor, sonhos e feitos a serviço do Brasil.

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E agora que estou terminando esta pequena história, ocorre-me uma idéia que desejo encaminhar: a de que seja prestada uma homenagem póstuma a Jorge Guinle, conferindo a ele a Ordem da Cultura, pelos relevantes serviços que prestou a música brasileira e ao intercâmbio cultural Brasil – Estados Unidos.

Recordo uma frase de Jorge Guinle que poderá ser uma sugestão, ainda que tardía, válida.
Depois de nominar nomes de importantes artistas estrangeiros que ele trouxe ao Brasil, disse: “Modéstia a parte, só eu poderia ter trazido tantas estrelas para cá. O país me deve isto. Pelo menos uma medalhinha eu merecia do meu Rio de Janeiro, não?”.

Frases do Jorginho

“Epicuro dizia, trezentos anos antes de Cristo, que a vida é uma busca de prazeres. Tive a felicidade de ser playboy, o que me permitiu conhecer todas as formas de prazer. O dinheiro me possibilitou muita coisa, inclusive estar com mulheres incríveis. No meu caso, playboy e filósofo se complementam perfeitamente. Sou filosoficamente materialista. Para mim, prazer é a realização plena dos nossos valores; emotivos e intelectuais. Claro que esses valores variam de pessoa para pessoa, mas não acho que deveria existir o prazer resultante da inveja, o prazer do ódio, do ressentimento, do fanatismo".

"Sempre achei que as relações humanas são mais importantes do que a satisfação dos bens materiais."

“Detesto ostentação, não aceito o absurdo poder do dinheiro e tenho horror a qualquer manifestação nouveau riche."

“O que tem importância é a liberdade, e isso porque a verdadeira liberdade é a consciência, portanto a livre escolha. O problema é que não é explicável."

( Jorge Guinle )

De Donato


Uns chamam de João. Outros, Donato.

A maioria, especialmente os músicos que o conheceram, desde sua chegada do Acre, chama Donato.

João Gilberto criou Donas. É assim que costumo chamá-lo.

Somos amigos há mais de 50 anos. Uma amizade sem turbulências, fraterna e de respeito.
Conheci Donato quando ele morava na Tijuca, na rua Taumaturgo de Azevedo, 99 apt. 302, transversal à Conde de Bonfim .

Em 1956 formamos um conjunto de jazz com Paulo Moura (sax alto), Bebeto Castilho (sax alto), Bill Horne (trompete), João Luiz (trombone), Tião Marinho ( contra-baixo ) eu , na bateria. Donato fazia os arranjos.

Dizia que eu era o guia ( melhores explicações com ele ).
Ensaiávamos freqüentemente, na casa dos pais do Paulo Moura ( R. Barão de Mesquita, quase esq. com General Roca ), ou na casa dos meus pais , na Avenida Edison Passos 872 - Alto da Boa Vista ( ver livro Chega de Saudade de Ruy Castro, pág.193 ). Eram freqüentes , também as jam- sessions.

E , de ensaio a ensaio, atingimos excelente nível. Predominava o jazz.
Dick Farney, querido amigo, teve forte influência junto a nós. Foi quem nos alimentou no jazz, com dscos e preciosas informações.

Ouvíamos muito jazz e nossa preferência era o West Coast da Califórnia onde despontavam Shorty Rogers, Chet Baker, Frank Rosolino, Gerry Mulligan, Jimmy Rowles, Shelly Manne, Bud Shank, Barney Kessel e outros.

O JAZZ entrou em cheio na cabeça do Donas , para nunca mais sair , sua verdadeira paixão musical.

Foi quando Donato chamou nossa atenção para Stan Kenton. Ficamos maravilhados com a orquestra e arrojados arranjos de Kenton, que passou a ser, no jazz , o ídolo maior. Sua orquestra era um verdadeiro butantã.
No repertorio de Kenton duas músicas ,dentre outras, especialmente nos fascinavam : Invitation e Artistry in Rhythm .

Gostávamos de fazer testes ( blindfold teste ). Naquela época era muito difícil adquirir disco ( vinil ) importado. Quando um de nós recebia, nas reuniões que realizávamos, colocava na vitrola e aí, cada um, com caneta e papel, ouvia e, no final da música, apontava o nome dos músicos que tocavam na faixa. Dificilmente errávamos!

Um dia Dick veio de São Paulo assistir uma apresentação do nosso conjunto no Clube Monte Líbano. Ficou encantado com a qualidade sonora e nos convidou para apresentação no Teatro Municipal de São Paulo.

Foi nosso último trabalho. Depois, por vários motivos, cada um seguiu seu caminho. Donato para os Estados Unidos. Bebeto para o Trio Tamba. João Luiz firmou-se na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Eu, para a Faculdade de Direito , deixando meu pai tranqüilo. Entrei na política , fui Deputado . Deixei de ser , para não mais voltar.

Passados muitos anos retornei novamente paraa música , retomando minhas composições.

Nascimento da Bossa Nova

Fim de semana atravessávamos o túnel que liga Botafogo a Copacabana e íamos tocar no bar do Hotel Plaza, na avenida Princesa Izabel. Juntava-se a nós a pequena e doce cantora Claudete Soares companheira e pioneira , e o sempre presente Ed Lincoln , no contra-baixo .

Naquela época, o túnel determinava uma linha divisória, preconceituosa. Do túnel, em direção à zona sul, ficavam os “bacanas”. Na zona norte, os “suburbanos”. Mas, era na zona norte que se concentrava o maior numero de bons instrumentistas, compositores , letristas.

Foi no Hotel Plaza que os músicos, vivendo na zona sul, captaram a levada dos professores João Donato e Johnny Alf , ambos com ricas harmonias. É aí que entra a verdadeira história da Bossa Nova e suas raízes.

A Bossa Nova nasceu na Tijuca do encontro de Johnny Alf (tijucano ) com João Donato ( tijucano ). Depois, João Gilberto, chegado da Bahia, encontra Donato, nascendo boa amizade e sintonia musical. João Gilberto, captando as avançadas e ricas harmonias e a levada de Donato, desenvolve uma técnica própria de interpretar e driblar os compassos. Nascia a Bossa Nova ( ver livro Cancioneiro , de Tom Jobim , pág. 67 ). Palavras do Tom: “-João Gilberto teria aprendido olhando João Donato tocar piano. Em pouco tempo a batida do João tornou-se um fetiche, e um desafio para os músicos em botões de Copacabana, Ipanema e adjacências”.

Donato foi peça fundamental nas raízes da Bossa Nova. Para mim, e muitos músicos , as colunas da taba da Bossa Nova foram: Johnny Alf + João Donato + João Gilberto + Tom Jobim. E , nesta ordem.

Depois, ficou , definitivamente , formatada e divulgada na zona sul , onde viviam jornalistas, interpretes e músicos mais próximos da midia. E, aí , muito justo, mérito para êles, especialmente Ronaldo Boscoli , Nara Leão , Menescal , depois irmãos Castro Neves , Lula Freire na casa ( Rua Toneleiros ) de quem todos passavam para tocar ou ouvir ,sempre com a participação de sua mãe Maria Helena que ,alem de conhecedora de música, a todos nos encantava, afinal ela era mais uma de nós . Considero uma grande falta a omissão do nome do Lula Freire , excelente letrista,e poeta da Bossa Nova, em recente documentário e outros eventos.

Outros poderiam ser citados , a lista seria longa. Até hoje muitos brasileiros e estrangeiros pensam que a Bossa Nova é coisa da zona sul ( Copacabana , Ipanema com suas praias , mar azul ou verde e a maior concentração de bares ) com seu charme e sexappeal, imbatíveis.
Entretanto, ainda vivem muitos músicos e pessoas que são testemunhas do que eu estou dizendo, inclusive o excelente compositor Durval Ferreira.

Recentemente, em entrevista dada a Revista Ícaro n◦ 254 de outubro de 2005, Durval declarou : “ A Bossa Nova não nasceu na zona sul, mas na Tijuca onde a gente aprendia harmonia com João Donato, que morava na Tijuca,assim como João Gilberto, Johnny Alf e todo o Trio Tamba. “ Os jornalistas José D. Raffaelli e Ilmar Carvalho grandes conhecedores de música , endossam este pensamento. Os saudosos jornalistas Sylvio Túlio Cardoso e Ary Vasconcelos testemunharam estes fatos. Da mesma forma o radialista Paulo Santos e Jorge Guinle .

Quando a Bossa Nova tomou prumo ,formatou-se e foi amplamente divulgada, Donato já tinha ido para os Estados Unidos em busca do jazz.

A Bossa Nova era pouco para Donato. Foi procurar outros caminhos, um espaço novo, mais abrangente. Nos Estados Unidos, encontrou seu amado jazz em descendência. Aproximou-se, então, dos cubanos que lá viviam. Criou uma nova levada, um novo estilo, que permanece até hoje. Johnny Alf , por seu lado , buscou novas veredas.

Para Tom, nosso soberano compositor e bom amigo, a mesma coisa: novos rumos, novos cenários. Pois, apesar de sua forte participação na Bossa Nova, ela não deveria, nem poderia, ser o limite do seu trabalho.

Cabe lembrar que, nos encontros que eu tinha com Tom, especialmente quando fazíamos sauna na Rua Prudente de Morais , Ipanema, ele sempre revelava sua estima e admiração pela criatividade de Donato.

Há um episódio que vou relatar. Tom, sabendo de certa dificuldade financeira de Donato, deixou de participar num trabalho importante e ótima remuneração, para colocar o amigo. Tom fez isso de maneira carinhosa e elegante. Sabendo, também que nenhum outro o substituiria melhor.
Donato, na música clássica, tinha suas preferências : Ravel e Debussy.

É oportuno lembrar que, vários compositores da nossa geração, manifestavam idêntica preferência, sendo que Tom abriu para Villa Lobos e outros. E, para estudo e inspiração, na fauna e flora brasileira.

Na minha opinião os dois gigantes da nossa geração são: Tom Jobim e João Donato. Os dois, bons instrumentistas , arranjadores e magníficos melodistas. E, Tom , letrista muito bom. De tanto falarmos de Tom compositor , esquecemos , algumas vezes,do letrista . E , aí, é só lembrar das letras de Luiza, Ligia, Aguas de Março, Ana Luiza,Passarim ,Gabriela, Chansong,...

Tom, com músicas elaboradas. Donato, com melodias cheias de magia, encanto, riqueza harmônica e improvisação infernal !

Eles nunca pararam de compor , e sempre lindo.

E aí pode botar Bossa Nova e tudo e muito mais , aqui e além- mar.

Alguns músicos e críticos musicais , brasileiros e estrangeiros , no que me incluo, consideram que os caminhos de Tom recordam os de Gershwin e Donato os de Cole Porter. Mas, falando ainda de Tom, estou esboçando um texto onde sustento que ele foi o maior melodista de todos os tempos , incluindo os compositores clássicos . Com 234 melodias ( contadas por mim no livro Cancioneiro Jobim - editado pela Jobim Music, pág. 444 ) todas lindas, ele atingiu um numero espetacular. Vários Compositores , brasileiros e estrangeiros não tem , de uma maneira geral, mais de 30 melodias bonitas e de absoluto encanto. Nesta visão incluo o meu, o nosso , maravilhoso Cole Porter.

Vale lembrar que Claus Oguerman, famoso arranjador ,em entrevista publicada no jornal O Globo,disse que considerava Tom o maior compositor do século XX.
Obviamente , longe de mim, pretender convencer ou polemizar.
É apenas ,e tão apenas, uma opinião que não é solitária , uma vez que outras pessoas pensam assim.

O som do piano de Donato

Mas, onde Donato também se destaca, é na sonoridade que tira do piano, absolutamente ímpar !
Para mim e muitos amantes da música, o som do piano de Donato é um dos mais bonitos dos últimos tempos. Ele não tem a técnica dos exímios pianistas. Entretanto, a sonoridade de seu piano é, simplesmente, encantadora.

Utiliza as recomendações do grande músico americano Chick Corea: "Use contrastes e equilibre os elementos. Agudo e grave , rápido e lento, forte e suave, tenso e relaxado, denso e esparso".
Amazonas : Um Poema Sinfonico


Parceiros e musicalmente identificados, produzimos , em parceria musical uma sinfonia com o título Amazonas: Um Poema Sinfônico. Ele compondo alguns movimentos e eu outros.
Filho da amazônia, e eu, neto de amazonense, nos embrenhamos na selva para buscar inspirações e produzir nossa sinfonia.

Nesta obra, em Donato, está a influência de Ravel e Debussy. Em mim a inspiração nos melodistas russos, do grupo dos cinco, especialmente Mussorgsky
e Glinka , cabendo lembrar que Mussorgsky influenciou Ravel e Debussy.

Voltando ao som do piano de Donato, desejo registrar a seguinte passagem: durante algum tempo fiquei olhando suas mãos no piano, e via que tocava com elas espalmadas, quando a técnica recomenda que seja em forma de garra, com os dedos curvados. Observei a maneira de usar os pedais. Isto e mais outras coisas não foram suficientes para entender como ele tirava som tão bonito.

Até que um dia... até quem sabe... percebi que não estava vendo o que só se pode sentir, que não se pode ver : o som vem da sua alma. E, ainda que tardiamente, entendi que o som de Donato vem do seu mais profundo interior
“........ o essencial é invisível.....”
Entra na cabeça , passa para o coração, se espalha no seu corpo, e do coração chega as suas mãos. Das mãos nasce o som e a canção.

De Donato, humano, registro um lado de grande significação que várias vezes testemunhei. Ele é humilde com os humildes e pára a fim de conversar com os mendigos.

Recentemente, depois de comermos umas proteínas (é assim que ele fala quando jantamos) viu um mendigo na calçada da rua Dias Ferreira – Leblon, e começou a conversar durante longo tempo com ele. Fazia frio. O mendigo estava sem agasalho. Donato virou-se para mim: “precisamos comprar urgentemente cobertor para ele”. Ficou ansioso até resolvermos o assunto, acompanhado de algum dinheiro.

Depois me disse: “Everardo, eu gosto de conversar com os humildes, os mendigos, o povão. Daí eu tiro as minhas inspirações”. Lembrei Mussorgsky, grande compositor russo, meu ídolo na música clássica, que tinha igual motivação. Falou : “ estamos em boa companhia... na raia ”

Um novo horizonte

Alguns anos atrás, Donato viveu tempo de intensa melancolia. Trancava-se em seu apartamento na Gávea. Não atendia telefone, inclusive internacionais ( Uma única vez eu vi , naquela época , falar ao telefone. Era Horace Silver, lendário pianista de Jazz. Ficaram quase uma hora alegremente conversando, e... ligação internacional).

Não fazia trabalhos. Eu ia ao seu apartamento , na Gávea, e ficava triste de vê-lo em depressão. Foi quando o nosso querido Almir Chediak, junto com Sônia Sirimarco, sua então competente e dedicada produtora, promoveram a edição do CD Café com Pão, uma parceria de Donato com o sempre amigo Eloir.

Eloir, intrépido baterista, com “ mensagens sentimentais “ nos pratos e caixa é o preto velho e guru de Donato.

Eloir, figura mítica no meio musical, muito querido por todos nós. Daí para frente as coisas começaram a mudar. Surge, então, um novo amor na sua vida. Fazendo show em Brasília vê na platéia uma moça bonita e encantadora, de olhar cintilante.

Olha para ela , só vê ela e, para ela , toca seu piano com grande inspiração (palavras dele).
Nascia uma nova história, um novo horizonte, um novo som.

Mulher inteligente , Peter Pan de sonhos , mas plantada no chão , dá o tom . Surgem bonitos acordes na estrada dele.

Voltou à Bíblia , portando-a e anotando trechos, para ele mais especiais. Deu- se o maior encontro de toda sua vida : Jesus.

Anos antes , com ajuda de Tita e Edison , já tinha procurado Jesus. Mas, depois, o abandonou . E , aí , tudo desafinou, quebrando a harmonia de sua vida.

Em Brasília fortalece amizade com Heitor Reis, que o coloca em contato com o mundo político e o Clube do Choro , onde desponta o Reco.

Donato, então, entra na ponte aérea Rio – Brasília.

As viagens internacionais se sucedem: Japão, Rússia, Cuba.


Seu mais recente trabalho

Quando morou nos Estados Unidos tocou com alguns músicos da orquestra de Stan Kenton e identificou-se com um dos seus integrantes : Bud Shank , inspirado sax-alto do cool-jazz.

Passados quarenta anos, tocaram juntos, em maio, no Chivas Festival. Foi iniciativa do correto e competente jornalista Antônio Carlos Miguel, do Segundo Caderno do jornal O Globo, com apoio do Raffaelli.

A emoção do encontro foi tão especial que resolveram gravar um CD em duo. Durante a gravação deixaram rolar, através de lindos improvisos, todas veredas de vida que cursaram nos últimos anos. Momento de magia e enlevo.

Conversaram, sem precisar falar, e viajaram através da música. Donato, com suas ricas harmonias , quase levou à loucura o já idoso / jovem Bud, ícone do Jazz. Testemunharam, este momento, Ed Mota, Antonio Carlos e Glauber Amaral .

Depois da gravação, pediu-me para, junto com ele, fazer a mixagem e
um estudo de edição. Ficamos um domingo inteiro trabalhando com a maior atenção. Ele é craque em mixagem , mas não tem paciência. Começa a contar historias , algumas bem engraçadas e , às vezes , até a dançar e , claro , ritmo é com ele. Desta vez concentrou-se. Era cousa séria. Buscamos o equilíbrio, a intensidade e pulsação certa de cada instrumento. Fizemos a edição. Há faixas de até 20 minutos.

Terminada a mixagem, fomos comer umas proteínas (jantar). Perguntei qual a música dele que mais gostava. Prontamente respondeu: Lugar comum.

Aí, então, duas surpresas: uma comigo mesmo por, durante tantos anos, nunca ter feito esta pergunta; a outra porque imaginava que ele fosse dizer Brisa do mar. Talvez porque seja , para mim , a melodia dele número um.

Das várias e boas parcerias com letristas minha letra preferida é Até quem sabe do seu irmão, meu amigo e parceiro, o ótimo letrista Lysias Enio. Acredito, que seja a de Donato também. Alem de perfeita e tocante ela , a meu ver , suscita um momento da vida de Donas e de cada um de nós.

Como estou fazendo uma pequena história, recordei-me que conhecendo, desde os meus quinze anos de idade, Pixinguinha, amigo dos meus pais, foi somente trinta anos depois- indo a casa dele em Olaria - que perguntei qual a música que mais gostava da sua obra. Outra surpresa.

Imaginava que fosse dizer Carinhoso ou Lamento. Pixinguinha nem pensou. Respondeu:Ingênuo.
E, seguindo estas lembranças , freqüentando, quase toda sexta-feira, a casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá, onde ele promovia ótimos saraus, com a presença da nata da MPB, perguntei a Jacob qual a música que mais gostava de tocar. De pronto, respondeu: Lamento. E, aí, autorizou que eu gravasse a música que iria interpretar, Lamento. Fez uma pequena introdução dizendo que dedicaria a mim e ao Sergio Cabral a execução desta bela canção.

Surpreendi-me, porque ele não deixava que ninguém gravasse nos seus saraus.

Um mês depois, Jacob partiu para o cosmo deixando uma imensa saudade em todos nós , seus amigos e admiradores . Foi encontrar Pixinguinha e outros companheiros.

Gravei. Perdi a fita cassete. Tenho esperança de um dia encontrá-la.

Foi na casa de Jacob que conheci a elegante, deslumbrante, maravilhosa e absoluta Rainha do reino das cantoras, a divina Eliseth Cardoso.

O som que vem da alma , Lai

Voltando ao som que nasce da alma de Donato, já referido, penso que vem de Lai, sua mãe, a grande fonte do seu som.

Ele é muito parecido com a mãe. A maneira de ser, sentir ,calar e observar. A mirada percuciente e aguda de ver. Muito inteligente e aparentemente desligado. Uma cousa é bastante interessante : ele faz um show onde se mexe e se agita , deixa a criança que tem dentro dele voar . Depois vamos jantar e muda sua levada. Capaz de conversar como se estivesse tratando de assuntos sérios. É um outro Donato. Quem visse imaginaria dois senhores compenetrados cuidando de temas nacionais e internacionais.

Seu passo é lento, como o da mãe, e os mesmos olhos de índio flechador. Donato é um índio flechador.

Lai, mulher da mata e dos igarapés, muito terna e mística. Doce e de olhar profundo. Passou para ele , durante sua gestação, um ser que, desde a sua concepção, foi lentamente absorvendo o sangue e alma da mãe. A levada de Donato é a levada de Lai


Poderia escrever bem mais. Motivos não faltariam. Quem sabe , um dia , ainda irei fazer.

É esta a pequena história sobre o querido amigo e parceiro. E acabou virando um pouco da minha vida , em alguns e bons momentos , partilhada com Donas.

Uma história de emoções , idas e vindas , manhãs e madrugadas, caminhos e sonhos .....
É, também , a minha saudade e homenagem a Lai, grande árvore e protetora sombra na sua vida.

Em tempo : em 2004 ele me pediu que escrevesse um livro sobre a vida dêle. Gostei do convite mas ponderei que seriam mais indicados Ruy Castro ou Sergio Cabral , dois excelentes escritores especializados na cultura musical e biografias. Lembrei também seu irmão e parceiro Lysias Enio e Antonio Carlos Miguel. Donato disse que Lysias está escrevendo um livro sobre a família .
Fica então a lembrança dos outros nomes.

Já fiz algumas anotações... Mas, ainda espero, que um deles parta na frente.

“ O ano de 2004 foi de especial importância para a MPB . No dia 17 de agosto , João Donato completou 70 anos de idade e 55 de carreira.

Everardo Magalhães Castro

Rio de Janeiro , 24 de dezembro de 2004


 

Comentário de Paulo Alberto ( Artur da Tavola ), ao texto De DONATO , acima apresentado .

 

"Ever :

Interessantíssimo o João Donato. Continue. Ouviu bem? Continue Já arquivei e acabando uma série de rádio que estou a fazer sobre o Carnaval carioca, vou fazer um belo programa com obras dele e peço licença para citar seu texto."

Grato

Paulo Alberto