sábado, 29 de março de 2008

Jorge Guinle, meu tipo inesquecível.

 

Texto de Everardo Magalhães Castro
Em 28 de fevereiro de 2006

Everardo Castro e Jorge Guinle

Jorge Guinle - Nascido em: 1916

Falecido em: 5 de março de 2004, aos 88 anos


Há uns anos atrás, a revista Seleções Readers Digest, publicada mensalmente, tinha como matéria constante o título Meu tipo inesquecível.

Ao longo da minha vida, elegi meus tipos inesquecíveis. Um deles foi Jorge Guinle. Eu, como muitos amigos, chamava-o Jorginho. Era como ele gostava.
Conheci Jorginho através do meu amigo Ibrahim Sued que me foi apresentado pelo Didu de Souza Campos, com quem joguei polo no Itanhangá Golf Clube. Ibrahim, sabendo que eu gostava de jazz, me proporcionou o primeiro encontro com Jorginho, no apartamento dele, no Edifício Tucumã- Praia do Flamengo , 284. Logo surgiu uma grande empatia.

O jazz, presença forte na minha vida e na de Jorge, nos uniu para sempre.

Jorginho era extremamente simpático, simples e de suprema elegância. Timbre de voz agradável e leve no falar. Seu gestual era comedido; herança de educação francesa no Collège de France – em Paris, onde estudou e se formou em filosofia, com grandes mestres dentre os quais o professor Leroy, titular da cadeira de Henri Bergson. Tornou-se um materialista dialético.
Sua alma era de esquerda.

De baixa estatura, usava para alcançar maior patamar, sapatos sob medida feitos na Casa Moreira – travessa do Ouvidor, com grande salto de cerca de 10 cm (parte interna e parte disfarçada no interior do sapato). Digo sem nenhuma indelicadeza a sua memória, pois, além de ser coisa notória, Jorginho não fazia segredo e até recomendava para os amigos baixos que o fizessem.

Quando falei sobre isso com meu pai, ele encomendou um. Outro freguês desta casa era Dr. Roberto Marinho, que fazia tais sapatos e botas de montaria.

Quase toda semana ia à sua casa .
Tocava a campainha. A porta abria, surgia o João, seu mordomo.
Seguia para uma larga varanda e, agradavelmente, me submetia ao seu roteiro de jazz. Primeiro ele colocava os discos vinil de jazz do West Coast, da Califórnia, sabedor que este estilo era da minha preferência.
João, o mordomo, ia servindo, generosamente, bom scotch e salgadinhos de fina qualidade. À medida que Jorginho percebia que eu já estava devidamente embalado pelo scotch, iniciava uma regressão, até chegar ao jazz absolutamente de sua preferência: o New Orleans.
Nessa altura, eu já estava até gostando do New Orleans. Colocando seus discos preferidos, ia fazendo comentários e revelando histórias dos seus encontros com Louis Armstrong, Jelly Roll Morton, Sidney Bechet, King Oliver e outros. Conhecia tudo, conhecia todos.

As vezes, encontrava na sua casa o Maestro Cipó, Jorginho do sax- alto, Silvio Túlio Cardoso ( jornalista de O Globo ) Aurino Ferreira, Juarez Araújo, dentre outros. Eu, Paulo Moura e João Donato tínhamos um conjunto de jazz. Apresentei ao Jorginho esses dois amigos, que passaram a participar das audições jazzísticas. Lá estavam sempre seu grande amigo Mariozinho de Oliveira, Estevão Hermann, Arlindo Coutinho e seu primo Francisco Eduardo de Paula Machado.

Eram presenças freqüentes Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Eles e Jorginho nutriam amizade e admiração recíproca.

É do nosso Vinicius a sequinte frase : de Jorge Guinle posso dizer que ninquem no Brasil e,muito pouca gente no mundo , possui a sua cultura e o seu cabedal jazzistico

Era casado com Dolores, americana, sua primeira mulher. Dolores não ajudava, nem atrapalhava. Deixava-o com seus amigos à vontade para ouvir jazz. Fiquei amigo dela e sempre tive olhos de admiração pela sua elegância e beleza. Mas, pessoa de classe mesmo era o Jorginho. Educadíssimo. Atenciosíssimo com as mulheres e com os homens também. Nunca conheci uma pessoa tão educada e agradável como Jorge.

Jorginho e os músicos americanos de Jazz

Ele era íntimo dos principais músicos americanos de Jazz, como Charlie Parker,Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Lester Young, Billie Holliday,Miles Davis...
Estive presente quando recebeu em sua casa Tommy Dorsey, Harry James, Louis Armstrong, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e os membros do Modern Jazz Quartet. ( vide fotos no site http://www.everardocastro.com/ )
Alguns dos seus músicos preferidos de jazz eram Lester Young (sax- tenor), Sidney Bechet (sax- soprano) e Louis Armstrong.
Para ver o prestígio que Jorginho gozava junto aos músicos americanos, recorde-se, como exemplo que , amigo do Miles Davis, falou-lhe que tinha ouvido o jovem John Coltrane tocar e sugeriu ao Miles que o contratasse. Miles concordou ,e assim foi feito.

Além do jazz, tinha um outro hobby . Uma preciosa coleção de locomotivas, expostas em prateleiras, numa sala especial do seu imenso apartamento. Quando ele mostrava peças desta coleção, parecia uma criança feliz com seus trenzinhos. Tinha locomotivas e vagões de alto valor, adquiridas ou presenteadas pelo seu pai, Dr. Carlos Guinle que, com sua esposa D. Gilda, morava no mesmo edifício.

Dr. Carlos foi homem de importantes realizações. Financiou e construiu a estrada Rio-Petrópolis. A ligação dele com minha família, concretizou-se por ter sido o engenheiro Álvaro Ribeiro de Almeida e luz, meu avô materno, quem participou com ele nesta obra.

Jorginho, algumas vezes, vinha à minha casa no Alto da Boa Vista, ouvir jazz. Surgia na rua, o seu carro de luxo e motorista com quepe. Ficávamos horas ouvindo as últimas novidades de Jazz.

Então quem fazia o roteiro era eu. Aí só dava West – Coast. Tudo numa boa pois , apesar de não ser o da sua preferência , gostava também. Tem mais um detalhe : eu não tinha disco da escola New Orleans

Jorginho e o trabalho

Trabalhar, na verdadeira acepção da palavra, nunca foi preocupação na sua vida. O máximo que fazia era ir, duas vezes ao mês, à Cia. Internacional de Seguros, empresa presidida pelo Celso Rocha Miranda, e da qual era acionista.

Mas, naquilo que se dedicava, revelou-se um trabalhador operoso e perseverante. Esta faceta consubstanciou-se em vários momentos quando:

- divulgou o carnaval nos EUA, trazendo importantes artistas.
- foi o brasileiro que, naquela época, atuou mais fortemente no exterior projetando o nome do Brasil;
- foi amigo de 5 presidentes dos EUA, inclusive John Kennedy e Roosevelt;
-sentou-se nas primeiras filas de quase todos os Oscars (ali estava o único brasileiro representando o nosso país).
-ajudou artistas brasileiros nos EUA, apresentando e marcando encontros com os seus poderosos amigos do show business;
- com seu amigo Nelson Rockfeller, empenhou-se, junto ao Presidente Getulio Vargas, amigo do seu pai, para que o Brasil se colocasse ao lado dos americanos na segunda guerra mundial. Jorginho tinha voltado da Europa e ficara alarmado com o avanço do nazismo e omissão de muitos europeus. Bota trabalho nisto, pois o nosso presidente, pressionado por alguns brasileiros, tardava em decidir.

- abriu portas para vários empresários brasileiros no exterior, fazendo muito mais que ministros da época .
- ninguém fez tanto pelo turismo brasileiro, até hoje, quanto Jorge Guinle.
- amigo dos poderosos de Hollywood, empenhou-se para que não se abafasse o ainda incipiente cinema brasileiro.
Trabalho, trabalhou sim. Pois nada disto – e mais ainda do que não foi dito – se faz sem um exaustivo e persistente trabalho.


Jorginho e a filosofia

Em alguns momentos conversava com Jorginho sobre outros assuntos. Até que um dia ele me surpreendeu completamente.

Eu tinha acabado de me formar em Direito. Não sei se por esta razão, ou outra, ele dirigiu a conversa na direção filosófica.

Sabia que tinha cultura, manifestada sem a menor afetação. Mas não imaginava que conhecesse, profundamente, o pensamento de Marx, Hegel, Descartes, Rousseau, Kant, Berkley, Leibnitz, Heidegger e outros mais. Citava esses nomes e aprofundava comentários.

Quando começou a falar de Marx, deu-me a perceber que, além do conhecimento, tinha forte simpatia pelo socialismo.

Ouvindo, poder-se-ia imaginar estar ali um pensador de esquerda e...era.

Se hoje ele tivesse um diálogo filosófico com Fernando Henrique, acredito que levaria vantagem, sem dizer que não teve o apoio do Florestan Fernandes, este sim, a bengala e caneta de FH.

E , tem mais : ele poderia justificar as origens de sua fortuna ao contrario de certo professor que jamais poderá faze-lo. Afinal, como dizia o Gonzaguinha , não somos burros, nem babacas.

Esta primeira conversa sociológica deu-se quando ele me convidou a passar um fim de semana na Granja Comary, em Teresópolis. Fiquei hospedado numa casa ampla, de bela arquitetura, cercada de grande área verde, com lagos e matas. É onde está sediada hoje a concentração da CBF e mais um condomínio .

Na sala principal , existia um piano de cauda inteira, Steinway. Foi neste piano que toquei minhas primeiras músicas para ele.

Posteriomente esta bela propriedade foi vendida ao Renato Aragão.


Jazz no Rio

Passado algum tempo, idealizamos juntos, o 1º Grande Concerto Brasileiro de Jazz, realizado no Golden Room do Copacabana Palace. Convidamos Silvio Túlio Cardoso, Ary Vasconcellos e outros para nos ajudar a organizar o concerto.



Formou-se uma grande Orquestra comandada pelo Maestro Cipó e com a participação de 40 músicos escolhidos entre os melhores. Lá estavam: Zé Bodega, Luiz Vidal, Kachimbinho, Aurino, Biju, Jorginho do sax-alto, Paulo Moura, Sut, Nelsinho do trombone e tantos outros . O concerto, com a presença da sociedade, foi em beneficio de uma instituição de caridade e teve apoio do jornal “O Globo”, através do Rogério Marinho, nosso amigo e amante do Jazz, e de seu irmão Ricardo Marinho, mais ligado à música clássica.

Pouco tempo depois fundamos o Clube de Jazz e Bossa. Convidamos para fundadores Silvio Tulio, Luiz Orlando Carneiro, Ricardo Cravo Albin, Ilmar Carvalho, Ary Vasconcelos e outros.

Nós dois fomos ao Palácio Laranjeiras ( pertenceu ao seu tio Eduardo Guinle) para encontrar com o Presidente Juscelino e dar notícia da fundação do Clube. Era impressionante ver a atenção que o Presidente Juscelino dedicou ao Jorginho, lembrando que estava hospedado no palacete que foi da família Guinle. Na mesma hora ligou para o Bené Nunes comunicando a criação do clube e pedindo que desse, também, todo o apoio. Bené era amigo querido do Presidente . Aliás todos gostavam do Bené, especialmente os músicos.

Aconteceram, então, dois momentos marcantes na sua vida: primeiro a separação de Dolores; depois a morte de seu filho.



Antes, Jorginho tinha perdido o irmão, Carlos Guinle, parceiro de Dorival Caymmi nas músicas Não tem Solução, Rua Deserta e Sábado em Copacabana.

Um dos brasileiros mais conhecidos e respeitados no exterior , era uma espécie de Embaixador do Brasil.

Mas, falando em Jorginho, não posso esquecer do seu pai ,Dr. Carlos, que, gostando muito de música, foi mecenas de vários artistas, especialmente Villa- Lobos.

Pai e filho foram importantes também na vida artística do Maestro Eleazar de Carvalho, Jacques Klein, Pixinguinha, Dick Farney, Luizinho Eça e vários outros.

Na mídia brasileira estes artistas contaram com apoio expressivo do O GLOBO através do três irmãos ( Roberto , Ricardo e Rogério ).
Carmen Miranda , Luiz Bonfá, Laurindo de Almeida, Aluisio de Oliveira tiveram em Jorginho um importante apoio nos EUA.

Lembrando de tais fatos, pergunto: "- Onde estão os mecenas de hoje?"

Brasileiros de imensas fortunas são incapazes de, como os norte - americanos e europeus, serem mecenas e apoiarem a cultura brasileira.
Artistas brasileiros, de grande valor, peregrinam de porta em porta em busca de patrocínio. E, mesmo com Lei Rouanet e incentivos estaduais, acabam por receber um sonoro não e, pior, às vezes nem serem recebidos a fim de exporem seus projetos.

-Por acaso sabem, esses poderosos homens de imensas fortunas, que os melodistas brasileiros são considerados os melhores do mundo?
-Por acaso sabem que a OSESP (Orquestra Sinfônica de São Paulo é uma das melhores do mundo)?
-Será que sabem, ou, se sabem, se esqueceram que, se não fosse o o Dr. Carlos Guinle, talvez Villa Lobos não tivesse o reconhecimento que ,voltando da Europa , passou a ter ?
Sim, porque no Brasil ainda é assim: você precisa vencer lá fora para depois ser respeitado aqui.

Todos o adoravam

Cercado de luxo e notoriedade, Jorginho não transparecia, em nenhum momento, semblante de arrogância ou empáfia. Pessoa absolutamente simples.
Seu avô , Eduardo, quando morreu ,deixou uma fortuna estimada hoje em US $ 2 bilhões, de ativos ( Docas de Santos, Banco ,valiosos imóveis,fazendas, haras , companhias de seguros ......). Era a maior fortuna do Brasil.

Se, os herdeiros ( 7 filhos ) tivessem desenvolvido aqueles ativos , hoje poderia ser um patrimônio da ordem de US $ 6 bilhões.

Mas, da parte de Jorge, que sucedeu ? O dinheiro para ele não era soberano. Não se fazia escravo do dinheiro. Servia para viajar em grande gala , ajudar seus amigos músicos, ajudar as pessoas, viver fazendo o bem.

Nunca ouvi Jorginho fazer critica a ninguém. Se ele não gostasse de alguma coisa ou de alguém, tinha uma forma de manifestar, toda especial, onde não se via ironia ou desdém.

Jorge Guinle e o Copacabana Palace


Mas não devo terminar essa pequena história sem falar de sua ligação com o Copacabana Palace e o carnaval. Foi ele quem trouxe famosos artistas de Hollywood para assistirem ao carnaval do Rio, colaborando, fortemente, para sua divulgação no mundo. No Copacabana Palace eram hospedados os artistas. E, neste hotel, ele tinha o seu quartel general de encontros e articulações.
Jorginho, ao lado de Oscar Ornstein (relações públicas do Copa), promovia grandes eventos no Copacabana Palace.
O Copa, assim chamado, era de propriedade de seu tio, Otávio Guinle. Mas de tal forma ele se fazia presente, muito querido pelos empregados do hotel, que o Copacabana Palace era... Jorge Guinle.

Naquela época as coisas aconteciam no Bife de Ouro ou na pérgula do Copacabana. Em alguns apartamentos do anexo, rolavam encontros amorosos de toda ordem.

Na pérgula e no Bife de Ouro despontavam duas figuras interessantíssimas: Fery Wünsch, maître d’hotel durante mais de 40 anos e Alberto ( um simpático gordinho ) , sommelier do restaurante Bife de Ouro.

Fery resistiu a ideia de contar no livro que escreveu , incríveis e impressionantes encontros de certas pessoas da alta sociedade. Inclusive de dois famosos jornalistas, para os quais levava bebidas e salgadinhos ao apartamento do anexo.



Alberto, por sua vez, testemunhou segredos ouvidos de pessoas importantes durante encontros, no Bife de Ouro, de famosas pessoas.

Ambos guardaram seus silêncios.

Vale lembrar as palavras do Ibrahim Sued: “Maitres e garçons não vêem, não ouvem e muito menos falam. Os que se prestam a esse papel não são dignos de uma profissão tão merecedora do nosso reconhecimento. Alguns, infelizmente, são até alcagüetes e ouvem a nossa conversa para repetir a quem lhes paga para isso”. Neste ponto, Ibrahim deveria estar falando de alguns que – assim se comentava – vendiam informações ao SNI (orgão de informação do governo militar).
Na Pérgula e no Bife de Ouro, especialmente nos fins de semana, reuniam-se jornalistas, famosos políticos, empresários, todo o arco-íris da sociedade brasileira e da Imprensa. Neles foram decididos assuntos de importância, ao sabor de um bom scotch, boa comida e linda visão da piscina.

Foi no Copacabana Palace que, almoçando com Jorginho, coisa freqüente, conheci alguns dos seus pratos preferidos: camarão à Maria Stuart, Steak Diana e Steak Tartar.Não sei se o Bife de Ouro ainda tem no cardápio estes pratos.

A sobremesa era quase sempre crepe suzette. Já ia me esquecendo do strogonoff, mas que strogonoff !

Jorginho, além do Copacabana Palace, seu QG, gostava de freqüentar o Vogue (Av. Princesa Isabel), onde imperava o porte do Barão Max Von Stuckart. Uma de suas preferências, também, era o Sacha`s, boîte localizada no Leme (Av. Atlântica). Seu dono, Sacha Rubin, era absoluto no piano de cauda. Sacha, sempre com cigarro no canto da boca, a cada cliente importante ou amigo que adentrava, tocava a música de sua preferência. No repertório predominava Cole Porter. O baterista do trio era o Paulinho Magalhães. Algumas vezes dei canja na bateria. Jorginho também. Ele tinha uma bateria na sua casa e gostava de tocar sax-tenor. Mas, no sax, em vão era o seu esforço. Na bateria levava jeito.

No fundo do lado esquerdo , de quem entrava no Sacha’s, era território do Aristides, o barman. No balcão do bar, várias personalidades importantes debulharam lágrimas ou confessaram segredos ao Aristides, sabendo que ele jamais trairia confiança.

O maître do Sacha`s era o Luiz. Sempre elegante no seu smoking, de porte altivo e classudo, Luiz era o Senhor maître da noite carioca chique. Pessoas importantes da sociedade tratavam Luiz com respeito e, às vezes, com reverências. Dependia dos seus valores e humores a localização das pessoas em mesas mais nobres ou na geladeira (“sibéria”, como Ibrahim chamava). Luiz, também, era guardião de segredos, histórias, desenlaces. Era discreto profissional da noite elegante.

Mas, uma vez, ele contou a um amigo comum lances que, vez por outra, observava. Por exemplo: movimentos eróticos debaixo da mesa, fora da vista dos presentes, mas que Luiz , com seu olhar de águia, percebia, vendo o semblante feliz do cavalheiro agraciado com as benesses da dama...

Luiz, também, dispunha de 2 apartamentos no edifício do Sacha’s, que eram articulados por ele para determinados encontros.

Pessoa de constante presença era João Goulart, antes de ser Presidente e, depois, como Presidente. Lá ia o Jango, sem seguranças e aparatos mas, quase sempre, com o seu secretario Caillard. Eram outros tempos.

Luiz também sabia driblar certos telefonemas de marido procurando mulher e mulher procurando marido, ou amantes se procurando. Trapalhadas e problemas que administrava com categoria e boa sabedoria, coisa de profissional da noite. Já não se fazem “Luizes” como em outros tempos.

Palavras finais

Jorginho gastou a sua fortuna, moeda por moeda, dia por dia, absolutamente consciente do que fazia. Não imaginava que fosse viver tanto . Fez cálculos que permitiriam terminar sua vida com seus últimos recursos. Errou nos cálculos. Viveu seus últimos anos com pequena aposentadoria do INSS e complementar ajuda do seu amigo Baby Monteiro de Carvalho. Nunca se saberá
a dimensão da ajuda do Estevão Hermann ao Jorge. Estevão generoso e
discreto , jamais revelará.

Jorge estava morando num modesto apartamento na Gávea.Mas, não se via nele nenhum traço de amargura.

Meu último encontro deu-se quando lançou nova edição do seu livro, pioneiro, Jazz Panorama. Guardo foto e dedicatória, linda recordação.Não tive coragem de visitá-lo na Gávea. Sabia que algumas cortinas estavam rasgadas, os sofás não tinham as cores e textura de antigamente...
Andava de táxi e, algumas vezes, de ônibus.

Tive estas notícias. Vacilei. Não fui ao seu encontro. Revelo este fato sem receio de críticas, pois eu mesmo me adianto. Na minha cabeça, achava que Jorginho, muito inteligente e sensível, iria perceber traços do meu semblante, reveladores da melancolia que eu sentiria.

Sem desculpas. Perdão, Jorginho.

Viveu no Brasil e no exterior todos estes fatos narrados e outros. Discreto, morreu às 4,30 hs. do dia 5/2/1916, na suíte 153 do Copacabana Palace , vitima de um aneurisma da aorta abdominal, guardando alguns segredos. A direção do Copa ,através do seu diretor Philip Carruthers e Claudia Fialho proporcionaram todas mordomias, num gesto admirável de fidalquia .

Sua morte foi noticiada nos principais jornais do mundo e publicada na primeira página do New York Times.

Jorge não foi apenas um play boy de primeira grandeza.É preciso que os brasileiros saibam que ele foi uma personalidade quecolocou sua inteligência, ardor, sonhos e feitos a serviço do Brasil.

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E agora que estou terminando esta pequena história, ocorre-me uma idéia que desejo encaminhar: a de que seja prestada uma homenagem póstuma a Jorge Guinle, conferindo a ele a Ordem da Cultura, pelos relevantes serviços que prestou a música brasileira e ao intercâmbio cultural Brasil – Estados Unidos.

Recordo uma frase de Jorge Guinle que poderá ser uma sugestão, ainda que tardía, válida.
Depois de nominar nomes de importantes artistas estrangeiros que ele trouxe ao Brasil, disse: “Modéstia a parte, só eu poderia ter trazido tantas estrelas para cá. O país me deve isto. Pelo menos uma medalhinha eu merecia do meu Rio de Janeiro, não?”.

Frases do Jorginho

“Epicuro dizia, trezentos anos antes de Cristo, que a vida é uma busca de prazeres. Tive a felicidade de ser playboy, o que me permitiu conhecer todas as formas de prazer. O dinheiro me possibilitou muita coisa, inclusive estar com mulheres incríveis. No meu caso, playboy e filósofo se complementam perfeitamente. Sou filosoficamente materialista. Para mim, prazer é a realização plena dos nossos valores; emotivos e intelectuais. Claro que esses valores variam de pessoa para pessoa, mas não acho que deveria existir o prazer resultante da inveja, o prazer do ódio, do ressentimento, do fanatismo".

"Sempre achei que as relações humanas são mais importantes do que a satisfação dos bens materiais."

“Detesto ostentação, não aceito o absurdo poder do dinheiro e tenho horror a qualquer manifestação nouveau riche."

“O que tem importância é a liberdade, e isso porque a verdadeira liberdade é a consciência, portanto a livre escolha. O problema é que não é explicável."

( Jorge Guinle )

De Donato


Uns chamam de João. Outros, Donato.

A maioria, especialmente os músicos que o conheceram, desde sua chegada do Acre, chama Donato.

João Gilberto criou Donas. É assim que costumo chamá-lo.

Somos amigos há mais de 50 anos. Uma amizade sem turbulências, fraterna e de respeito.
Conheci Donato quando ele morava na Tijuca, na rua Taumaturgo de Azevedo, 99 apt. 302, transversal à Conde de Bonfim .

Em 1956 formamos um conjunto de jazz com Paulo Moura (sax alto), Bebeto Castilho (sax alto), Bill Horne (trompete), João Luiz (trombone), Tião Marinho ( contra-baixo ) eu , na bateria. Donato fazia os arranjos.

Dizia que eu era o guia ( melhores explicações com ele ).
Ensaiávamos freqüentemente, na casa dos pais do Paulo Moura ( R. Barão de Mesquita, quase esq. com General Roca ), ou na casa dos meus pais , na Avenida Edison Passos 872 - Alto da Boa Vista ( ver livro Chega de Saudade de Ruy Castro, pág.193 ). Eram freqüentes , também as jam- sessions.

E , de ensaio a ensaio, atingimos excelente nível. Predominava o jazz.
Dick Farney, querido amigo, teve forte influência junto a nós. Foi quem nos alimentou no jazz, com dscos e preciosas informações.

Ouvíamos muito jazz e nossa preferência era o West Coast da Califórnia onde despontavam Shorty Rogers, Chet Baker, Frank Rosolino, Gerry Mulligan, Jimmy Rowles, Shelly Manne, Bud Shank, Barney Kessel e outros.

O JAZZ entrou em cheio na cabeça do Donas , para nunca mais sair , sua verdadeira paixão musical.

Foi quando Donato chamou nossa atenção para Stan Kenton. Ficamos maravilhados com a orquestra e arrojados arranjos de Kenton, que passou a ser, no jazz , o ídolo maior. Sua orquestra era um verdadeiro butantã.
No repertorio de Kenton duas músicas ,dentre outras, especialmente nos fascinavam : Invitation e Artistry in Rhythm .

Gostávamos de fazer testes ( blindfold teste ). Naquela época era muito difícil adquirir disco ( vinil ) importado. Quando um de nós recebia, nas reuniões que realizávamos, colocava na vitrola e aí, cada um, com caneta e papel, ouvia e, no final da música, apontava o nome dos músicos que tocavam na faixa. Dificilmente errávamos!

Um dia Dick veio de São Paulo assistir uma apresentação do nosso conjunto no Clube Monte Líbano. Ficou encantado com a qualidade sonora e nos convidou para apresentação no Teatro Municipal de São Paulo.

Foi nosso último trabalho. Depois, por vários motivos, cada um seguiu seu caminho. Donato para os Estados Unidos. Bebeto para o Trio Tamba. João Luiz firmou-se na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Eu, para a Faculdade de Direito , deixando meu pai tranqüilo. Entrei na política , fui Deputado . Deixei de ser , para não mais voltar.

Passados muitos anos retornei novamente paraa música , retomando minhas composições.

Nascimento da Bossa Nova

Fim de semana atravessávamos o túnel que liga Botafogo a Copacabana e íamos tocar no bar do Hotel Plaza, na avenida Princesa Izabel. Juntava-se a nós a pequena e doce cantora Claudete Soares companheira e pioneira , e o sempre presente Ed Lincoln , no contra-baixo .

Naquela época, o túnel determinava uma linha divisória, preconceituosa. Do túnel, em direção à zona sul, ficavam os “bacanas”. Na zona norte, os “suburbanos”. Mas, era na zona norte que se concentrava o maior numero de bons instrumentistas, compositores , letristas.

Foi no Hotel Plaza que os músicos, vivendo na zona sul, captaram a levada dos professores João Donato e Johnny Alf , ambos com ricas harmonias. É aí que entra a verdadeira história da Bossa Nova e suas raízes.

A Bossa Nova nasceu na Tijuca do encontro de Johnny Alf (tijucano ) com João Donato ( tijucano ). Depois, João Gilberto, chegado da Bahia, encontra Donato, nascendo boa amizade e sintonia musical. João Gilberto, captando as avançadas e ricas harmonias e a levada de Donato, desenvolve uma técnica própria de interpretar e driblar os compassos. Nascia a Bossa Nova ( ver livro Cancioneiro , de Tom Jobim , pág. 67 ). Palavras do Tom: “-João Gilberto teria aprendido olhando João Donato tocar piano. Em pouco tempo a batida do João tornou-se um fetiche, e um desafio para os músicos em botões de Copacabana, Ipanema e adjacências”.

Donato foi peça fundamental nas raízes da Bossa Nova. Para mim, e muitos músicos , as colunas da taba da Bossa Nova foram: Johnny Alf + João Donato + João Gilberto + Tom Jobim. E , nesta ordem.

Depois, ficou , definitivamente , formatada e divulgada na zona sul , onde viviam jornalistas, interpretes e músicos mais próximos da midia. E, aí , muito justo, mérito para êles, especialmente Ronaldo Boscoli , Nara Leão , Menescal , depois irmãos Castro Neves , Lula Freire na casa ( Rua Toneleiros ) de quem todos passavam para tocar ou ouvir ,sempre com a participação de sua mãe Maria Helena que ,alem de conhecedora de música, a todos nos encantava, afinal ela era mais uma de nós . Considero uma grande falta a omissão do nome do Lula Freire , excelente letrista,e poeta da Bossa Nova, em recente documentário e outros eventos.

Outros poderiam ser citados , a lista seria longa. Até hoje muitos brasileiros e estrangeiros pensam que a Bossa Nova é coisa da zona sul ( Copacabana , Ipanema com suas praias , mar azul ou verde e a maior concentração de bares ) com seu charme e sexappeal, imbatíveis.
Entretanto, ainda vivem muitos músicos e pessoas que são testemunhas do que eu estou dizendo, inclusive o excelente compositor Durval Ferreira.

Recentemente, em entrevista dada a Revista Ícaro n◦ 254 de outubro de 2005, Durval declarou : “ A Bossa Nova não nasceu na zona sul, mas na Tijuca onde a gente aprendia harmonia com João Donato, que morava na Tijuca,assim como João Gilberto, Johnny Alf e todo o Trio Tamba. “ Os jornalistas José D. Raffaelli e Ilmar Carvalho grandes conhecedores de música , endossam este pensamento. Os saudosos jornalistas Sylvio Túlio Cardoso e Ary Vasconcelos testemunharam estes fatos. Da mesma forma o radialista Paulo Santos e Jorge Guinle .

Quando a Bossa Nova tomou prumo ,formatou-se e foi amplamente divulgada, Donato já tinha ido para os Estados Unidos em busca do jazz.

A Bossa Nova era pouco para Donato. Foi procurar outros caminhos, um espaço novo, mais abrangente. Nos Estados Unidos, encontrou seu amado jazz em descendência. Aproximou-se, então, dos cubanos que lá viviam. Criou uma nova levada, um novo estilo, que permanece até hoje. Johnny Alf , por seu lado , buscou novas veredas.

Para Tom, nosso soberano compositor e bom amigo, a mesma coisa: novos rumos, novos cenários. Pois, apesar de sua forte participação na Bossa Nova, ela não deveria, nem poderia, ser o limite do seu trabalho.

Cabe lembrar que, nos encontros que eu tinha com Tom, especialmente quando fazíamos sauna na Rua Prudente de Morais , Ipanema, ele sempre revelava sua estima e admiração pela criatividade de Donato.

Há um episódio que vou relatar. Tom, sabendo de certa dificuldade financeira de Donato, deixou de participar num trabalho importante e ótima remuneração, para colocar o amigo. Tom fez isso de maneira carinhosa e elegante. Sabendo, também que nenhum outro o substituiria melhor.
Donato, na música clássica, tinha suas preferências : Ravel e Debussy.

É oportuno lembrar que, vários compositores da nossa geração, manifestavam idêntica preferência, sendo que Tom abriu para Villa Lobos e outros. E, para estudo e inspiração, na fauna e flora brasileira.

Na minha opinião os dois gigantes da nossa geração são: Tom Jobim e João Donato. Os dois, bons instrumentistas , arranjadores e magníficos melodistas. E, Tom , letrista muito bom. De tanto falarmos de Tom compositor , esquecemos , algumas vezes,do letrista . E , aí, é só lembrar das letras de Luiza, Ligia, Aguas de Março, Ana Luiza,Passarim ,Gabriela, Chansong,...

Tom, com músicas elaboradas. Donato, com melodias cheias de magia, encanto, riqueza harmônica e improvisação infernal !

Eles nunca pararam de compor , e sempre lindo.

E aí pode botar Bossa Nova e tudo e muito mais , aqui e além- mar.

Alguns músicos e críticos musicais , brasileiros e estrangeiros , no que me incluo, consideram que os caminhos de Tom recordam os de Gershwin e Donato os de Cole Porter. Mas, falando ainda de Tom, estou esboçando um texto onde sustento que ele foi o maior melodista de todos os tempos , incluindo os compositores clássicos . Com 234 melodias ( contadas por mim no livro Cancioneiro Jobim - editado pela Jobim Music, pág. 444 ) todas lindas, ele atingiu um numero espetacular. Vários Compositores , brasileiros e estrangeiros não tem , de uma maneira geral, mais de 30 melodias bonitas e de absoluto encanto. Nesta visão incluo o meu, o nosso , maravilhoso Cole Porter.

Vale lembrar que Claus Oguerman, famoso arranjador ,em entrevista publicada no jornal O Globo,disse que considerava Tom o maior compositor do século XX.
Obviamente , longe de mim, pretender convencer ou polemizar.
É apenas ,e tão apenas, uma opinião que não é solitária , uma vez que outras pessoas pensam assim.

O som do piano de Donato

Mas, onde Donato também se destaca, é na sonoridade que tira do piano, absolutamente ímpar !
Para mim e muitos amantes da música, o som do piano de Donato é um dos mais bonitos dos últimos tempos. Ele não tem a técnica dos exímios pianistas. Entretanto, a sonoridade de seu piano é, simplesmente, encantadora.

Utiliza as recomendações do grande músico americano Chick Corea: "Use contrastes e equilibre os elementos. Agudo e grave , rápido e lento, forte e suave, tenso e relaxado, denso e esparso".
Amazonas : Um Poema Sinfonico


Parceiros e musicalmente identificados, produzimos , em parceria musical uma sinfonia com o título Amazonas: Um Poema Sinfônico. Ele compondo alguns movimentos e eu outros.
Filho da amazônia, e eu, neto de amazonense, nos embrenhamos na selva para buscar inspirações e produzir nossa sinfonia.

Nesta obra, em Donato, está a influência de Ravel e Debussy. Em mim a inspiração nos melodistas russos, do grupo dos cinco, especialmente Mussorgsky
e Glinka , cabendo lembrar que Mussorgsky influenciou Ravel e Debussy.

Voltando ao som do piano de Donato, desejo registrar a seguinte passagem: durante algum tempo fiquei olhando suas mãos no piano, e via que tocava com elas espalmadas, quando a técnica recomenda que seja em forma de garra, com os dedos curvados. Observei a maneira de usar os pedais. Isto e mais outras coisas não foram suficientes para entender como ele tirava som tão bonito.

Até que um dia... até quem sabe... percebi que não estava vendo o que só se pode sentir, que não se pode ver : o som vem da sua alma. E, ainda que tardiamente, entendi que o som de Donato vem do seu mais profundo interior
“........ o essencial é invisível.....”
Entra na cabeça , passa para o coração, se espalha no seu corpo, e do coração chega as suas mãos. Das mãos nasce o som e a canção.

De Donato, humano, registro um lado de grande significação que várias vezes testemunhei. Ele é humilde com os humildes e pára a fim de conversar com os mendigos.

Recentemente, depois de comermos umas proteínas (é assim que ele fala quando jantamos) viu um mendigo na calçada da rua Dias Ferreira – Leblon, e começou a conversar durante longo tempo com ele. Fazia frio. O mendigo estava sem agasalho. Donato virou-se para mim: “precisamos comprar urgentemente cobertor para ele”. Ficou ansioso até resolvermos o assunto, acompanhado de algum dinheiro.

Depois me disse: “Everardo, eu gosto de conversar com os humildes, os mendigos, o povão. Daí eu tiro as minhas inspirações”. Lembrei Mussorgsky, grande compositor russo, meu ídolo na música clássica, que tinha igual motivação. Falou : “ estamos em boa companhia... na raia ”

Um novo horizonte

Alguns anos atrás, Donato viveu tempo de intensa melancolia. Trancava-se em seu apartamento na Gávea. Não atendia telefone, inclusive internacionais ( Uma única vez eu vi , naquela época , falar ao telefone. Era Horace Silver, lendário pianista de Jazz. Ficaram quase uma hora alegremente conversando, e... ligação internacional).

Não fazia trabalhos. Eu ia ao seu apartamento , na Gávea, e ficava triste de vê-lo em depressão. Foi quando o nosso querido Almir Chediak, junto com Sônia Sirimarco, sua então competente e dedicada produtora, promoveram a edição do CD Café com Pão, uma parceria de Donato com o sempre amigo Eloir.

Eloir, intrépido baterista, com “ mensagens sentimentais “ nos pratos e caixa é o preto velho e guru de Donato.

Eloir, figura mítica no meio musical, muito querido por todos nós. Daí para frente as coisas começaram a mudar. Surge, então, um novo amor na sua vida. Fazendo show em Brasília vê na platéia uma moça bonita e encantadora, de olhar cintilante.

Olha para ela , só vê ela e, para ela , toca seu piano com grande inspiração (palavras dele).
Nascia uma nova história, um novo horizonte, um novo som.

Mulher inteligente , Peter Pan de sonhos , mas plantada no chão , dá o tom . Surgem bonitos acordes na estrada dele.

Voltou à Bíblia , portando-a e anotando trechos, para ele mais especiais. Deu- se o maior encontro de toda sua vida : Jesus.

Anos antes , com ajuda de Tita e Edison , já tinha procurado Jesus. Mas, depois, o abandonou . E , aí , tudo desafinou, quebrando a harmonia de sua vida.

Em Brasília fortalece amizade com Heitor Reis, que o coloca em contato com o mundo político e o Clube do Choro , onde desponta o Reco.

Donato, então, entra na ponte aérea Rio – Brasília.

As viagens internacionais se sucedem: Japão, Rússia, Cuba.


Seu mais recente trabalho

Quando morou nos Estados Unidos tocou com alguns músicos da orquestra de Stan Kenton e identificou-se com um dos seus integrantes : Bud Shank , inspirado sax-alto do cool-jazz.

Passados quarenta anos, tocaram juntos, em maio, no Chivas Festival. Foi iniciativa do correto e competente jornalista Antônio Carlos Miguel, do Segundo Caderno do jornal O Globo, com apoio do Raffaelli.

A emoção do encontro foi tão especial que resolveram gravar um CD em duo. Durante a gravação deixaram rolar, através de lindos improvisos, todas veredas de vida que cursaram nos últimos anos. Momento de magia e enlevo.

Conversaram, sem precisar falar, e viajaram através da música. Donato, com suas ricas harmonias , quase levou à loucura o já idoso / jovem Bud, ícone do Jazz. Testemunharam, este momento, Ed Mota, Antonio Carlos e Glauber Amaral .

Depois da gravação, pediu-me para, junto com ele, fazer a mixagem e
um estudo de edição. Ficamos um domingo inteiro trabalhando com a maior atenção. Ele é craque em mixagem , mas não tem paciência. Começa a contar historias , algumas bem engraçadas e , às vezes , até a dançar e , claro , ritmo é com ele. Desta vez concentrou-se. Era cousa séria. Buscamos o equilíbrio, a intensidade e pulsação certa de cada instrumento. Fizemos a edição. Há faixas de até 20 minutos.

Terminada a mixagem, fomos comer umas proteínas (jantar). Perguntei qual a música dele que mais gostava. Prontamente respondeu: Lugar comum.

Aí, então, duas surpresas: uma comigo mesmo por, durante tantos anos, nunca ter feito esta pergunta; a outra porque imaginava que ele fosse dizer Brisa do mar. Talvez porque seja , para mim , a melodia dele número um.

Das várias e boas parcerias com letristas minha letra preferida é Até quem sabe do seu irmão, meu amigo e parceiro, o ótimo letrista Lysias Enio. Acredito, que seja a de Donato também. Alem de perfeita e tocante ela , a meu ver , suscita um momento da vida de Donas e de cada um de nós.

Como estou fazendo uma pequena história, recordei-me que conhecendo, desde os meus quinze anos de idade, Pixinguinha, amigo dos meus pais, foi somente trinta anos depois- indo a casa dele em Olaria - que perguntei qual a música que mais gostava da sua obra. Outra surpresa.

Imaginava que fosse dizer Carinhoso ou Lamento. Pixinguinha nem pensou. Respondeu:Ingênuo.
E, seguindo estas lembranças , freqüentando, quase toda sexta-feira, a casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá, onde ele promovia ótimos saraus, com a presença da nata da MPB, perguntei a Jacob qual a música que mais gostava de tocar. De pronto, respondeu: Lamento. E, aí, autorizou que eu gravasse a música que iria interpretar, Lamento. Fez uma pequena introdução dizendo que dedicaria a mim e ao Sergio Cabral a execução desta bela canção.

Surpreendi-me, porque ele não deixava que ninguém gravasse nos seus saraus.

Um mês depois, Jacob partiu para o cosmo deixando uma imensa saudade em todos nós , seus amigos e admiradores . Foi encontrar Pixinguinha e outros companheiros.

Gravei. Perdi a fita cassete. Tenho esperança de um dia encontrá-la.

Foi na casa de Jacob que conheci a elegante, deslumbrante, maravilhosa e absoluta Rainha do reino das cantoras, a divina Eliseth Cardoso.

O som que vem da alma , Lai

Voltando ao som que nasce da alma de Donato, já referido, penso que vem de Lai, sua mãe, a grande fonte do seu som.

Ele é muito parecido com a mãe. A maneira de ser, sentir ,calar e observar. A mirada percuciente e aguda de ver. Muito inteligente e aparentemente desligado. Uma cousa é bastante interessante : ele faz um show onde se mexe e se agita , deixa a criança que tem dentro dele voar . Depois vamos jantar e muda sua levada. Capaz de conversar como se estivesse tratando de assuntos sérios. É um outro Donato. Quem visse imaginaria dois senhores compenetrados cuidando de temas nacionais e internacionais.

Seu passo é lento, como o da mãe, e os mesmos olhos de índio flechador. Donato é um índio flechador.

Lai, mulher da mata e dos igarapés, muito terna e mística. Doce e de olhar profundo. Passou para ele , durante sua gestação, um ser que, desde a sua concepção, foi lentamente absorvendo o sangue e alma da mãe. A levada de Donato é a levada de Lai


Poderia escrever bem mais. Motivos não faltariam. Quem sabe , um dia , ainda irei fazer.

É esta a pequena história sobre o querido amigo e parceiro. E acabou virando um pouco da minha vida , em alguns e bons momentos , partilhada com Donas.

Uma história de emoções , idas e vindas , manhãs e madrugadas, caminhos e sonhos .....
É, também , a minha saudade e homenagem a Lai, grande árvore e protetora sombra na sua vida.

Em tempo : em 2004 ele me pediu que escrevesse um livro sobre a vida dêle. Gostei do convite mas ponderei que seriam mais indicados Ruy Castro ou Sergio Cabral , dois excelentes escritores especializados na cultura musical e biografias. Lembrei também seu irmão e parceiro Lysias Enio e Antonio Carlos Miguel. Donato disse que Lysias está escrevendo um livro sobre a família .
Fica então a lembrança dos outros nomes.

Já fiz algumas anotações... Mas, ainda espero, que um deles parta na frente.

“ O ano de 2004 foi de especial importância para a MPB . No dia 17 de agosto , João Donato completou 70 anos de idade e 55 de carreira.

Everardo Magalhães Castro

Rio de Janeiro , 24 de dezembro de 2004


 

Comentário de Paulo Alberto ( Artur da Tavola ), ao texto De DONATO , acima apresentado .

 

"Ever :

Interessantíssimo o João Donato. Continue. Ouviu bem? Continue Já arquivei e acabando uma série de rádio que estou a fazer sobre o Carnaval carioca, vou fazer um belo programa com obras dele e peço licença para citar seu texto."

Grato

Paulo Alberto